— Tá melhor? — André perguntou quando voltamos para o carro dele.
Eu assenti.
— Obrigada — consegui murmurar, minha voz rouca. Eu estava em um estágio sensível. Apesar de a onda de lágrimas ter parado de tentar quebrar a barreira, qualquer coisa poderia servir de gatilho para fazê-la retornar com ainda maior força.
— Disponha. — Ele girou a chave, fazendo o carro rugir, mas não saímos do lugar. Após um tempo, ele comentou: — João perguntou por você. Ele parecia realmente triste por você precisar ir embora.
— Hum... — murmurei, encolhendo os ombros.
— Ele disse que vai falar com você na segunda. Na aula de Biologia. Romântico, né?
Ele estava tentando me animar. Era quase fofo. Eu queria que ele conseguisse me animar, queria mesmo, mas a ferida era bem mais funda do que aquilo. Eu mal consegui sorrir em agradecimento. Apenas encolhi os ombros.
— É... — concordei vagamente.
— Talvez você devesse dar uma chance... Talvez ele seja...
— André — interrompi. — Já disse que não.
— É, você disse, mas...
— Não seria justo — eu deixei escapar. Minha voz falhou de repente, traindo a violência das minhas emoções.
Preocupado, André desligou o carro, e nós ficamos um tempo parados, encarando os carros passando na avenina à nossa frente.
— Pra você ou pra ele? — André finalmente perguntou.
Queria que ele não tivesse perguntado, porque é claro que aquela foi a gota d'água.
— Eu estou quebrada — soltei. — Eu estou tão quebrada. Os danos são permanentes, irreparáveis. Você não entende?
— Eu sei que você se sente assim, Alice, mas depressão é tratável... — ele disse na maior paciência do universo.
Eu precisei rir. A risada saiu da minha garganta rouca e amarga, acompanhada de lágrimas. Não era uma risada feliz, era um grito por socorro.
— Não tem cura! Não tem como me consertar! Eu estou afundando, afundando, afundando, e qualquer um que tentar me dar a mão para me puxar para cima corre o risco de afundar junto comigo! — Não percebi a partir de qual momento eu tinha começado a gritar, mas agora minha garganta arranhava a ponto de doer. Meus olhos estavam bloqueados pelas lágrimas, eu só enxergava as luzes borradas dos carros que passavam, não conseguia nem fingir encarar André nos olhos. — Eu estou sozinha, mas não posso pedir ajuda. Eu não posso fazer isso com ninguém. Eu não sou tão egoísta assim. Eu não sou! E é por isso que não posso "dar uma chance" pro João ou aceitar ir nas festas da Gabriela ou comprar guloseimas com ela! É por isso que não posso mais ir pro balé, é por isso que eu não posso mais deixar ninguém chegar perto. É por isso que eu preciso morrer!
Quando acabei de falar, André ficou em silêncio.
Eu estava respirando com dificuldade, ainda não tinha conseguido me livrar das lágrimas. Elas eram uma praga: assim que eu dava uma brecha, pareciam que nunca mais iriam se esgotar. Eu era uma menina feita da água salgada que estava pronta para sair pelos meus olhos ao menor sinal de desespero. Eu me envergonhava disso. Esfreguei meus olhos com força, espantando a água e a fraqueza.
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Mais dois passos e adeus [Completo]
Short StoryAlice decidiu que queria morrer, mas o mundo tinha outros planos para ela. Depois de receber uma ligação misteriosa de uma velha amiga, Alice resolve dar uma nova chance a si mesma. É assim que se torna próxima de seu vizinho, André, que se in...