Parte 4

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Entramos no pequeno super-mercado ao lado da casa da Gabriela e, por alguns instantes, ficamos em silêncio apenas percorrendo os corredores.

— Você não devia estar na aula de balé? — Gabi perguntou, se virando para mim de repente.

Eu mordi um sorriso e troquei olhares com André.

— Resolvi faltar — declarei finalmente. Um grande eufemismo. Mas é claro que não dava para eu simplesmente dizer que não tinha ido à aula porque havia tomado a decisão de pular de um prédio e acabar com a minha vida para sempre e, afinal, garotas mortas não precisam ser boas bailarinas.

Gabriela seguiu meus olhos e ergueu as sobrancelhas como se tivesse entendido tudo.

— Ah sim. Encontrou coisas mais interessantes para fazer, né? — ela provocou. Eu senti minhas bochechas arderem e desviei os olhos. Por que a verdade era tão mórbida, deixei que ela pensasse que eu estava mesmo tendo um caso de amor secreto com meu vizinho mais velho que, até onde eu sabia, era gay e tinha namorado. Gabi se virou para André. — Que bom que você tá aqui. Preciso de alguém pra comprar as bebidas.

— Bebidas? — André perguntou.

— É — ela respondeu com obviedade. — Não é uma festa sem bebidas.

— Quantos anos vocês têm? — André quis saber.

Gabriela olhou para mim, esperando que eu respondesse. Foi legal da parte dela, ou pelo menos teria sido caso eu realmente estivesse pegando o meu vizinho e mentindo a minha idade para fazê-lo se sentir menos culpado.

— Dezessete — eu respondi.

Gabriela sorriu e empurrou o carrinho para longe de nós, como que para nos dar um pouco mais de privacidade.

— Dezessete anos... — André começou.

— Qual é o problema? — eu franzi a testa. Não era como se ele estivesse realmente interessado em mim. Era?

— Você não acha que é muito nova pra querer se matar?

Eu olhei alarmada na direção de Gabriela, mas, ao que tudo indicava, ela não tinha ouvido. Fiz uma careta para André, condenando-o por sua indiscrição.

— Quantos anos tinha sua irmã? — a pergunta saiu quase sem querer, fruto de descuido e curiosidade. Segurei a respiração, com medo de que André ficasse tão ofendido que se recusasse a me responder.

— Vinte e sete — ele disse sem hesitar. Eu soltei o ar. — Ainda nova demais, é claro. Mas pelo menos ela teve dez anos a mais que você para odiar a vida.

A naturalidade com que ele falava aquelas coisas deveria me incomodar, mas, ao contrário, eu me sentia confortada.

— Eu não odeio a vida — disse por fim, voltando a caminhar atrás de Gabriela, que já fazia a curva para ir para o próximo corredor. — Só... hum... não é pra mim.

Isso fez André rir.

— Não é pra você? — ele debochou. — Como assim?

— Essa coisa de... sei lá... Interagir com as pessoas. Ter um emprego. Querer coisas pro futuro.

A expressão de André se tornou um pouco sombria.

— Você não tem planos pro futuro? Não tem nada que você queira pra sua vida? Nada te deixa empolgada?

— Não o suficiente — encolhi os ombros.

— Mas talvez isso mude.

— Eu duvido — disse sinceramente. — É uma coisa muito intensa, muito real, e muito duradoura. Uma sensação de certeza. Sei que não vai mudar, porque o problema está comigo, e não com o resto do mundo.

Mais dois passos e adeus [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora