Parte 2

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— O que você tava fazendo?

A voz me sobressaltou, mas felizmente eu já estava com os dois pés seguros no chão quando isso aconteceu. Me voltei na direção da voz e me deparei com o vizinho do 62.

Eu o tinha visto no máximo umas dez vezes na vida. Algumas vezes na cobertura, algumas no elevador. Na maior parte do tempo, ele estava acompanhado do namorado. Uma vez eu o vi quando ele tava conferindo a caixinha do correio, e também o vi umas duas vezes na garagem. A vaga dele era vizinha à do meu pai, e seu carro tinha um adesivo indicando que ele faz Biomedicina na universidade local. Eu não sabia mais nada sobre ele, mas esse fato me era interessante. Antes de eu decidir que queria morrer, tinha chegado a pensar em fazer Biomedicina. O adesivo desse vizinho havia me intrigado o suficiente para eu pesquisar sobre o curso e achar legal.

— Você é louca? Por que estava em cima do muro?! São 14 andares!

— Uns 53 metros — dei de ombros e recolhi minha bolsa do chão. — Mais ou menos.

— Você podia ter caído! É perigoso! — ele insistiu.

Eu ri, revirando os olhos. Claro que era perigoso. Era justamente com isso que eu estava contando quando decidi subir até a cobertura e me jogar do topo do prédio.

— Obrigada pela preocupação, mas estou bem — falei, tentando ser educada, enquanto seguia na direção do elevador.

Ele se colocou no meio do meu caminho.

— Você fez de propósito?

Olhei bem para ele. Ele tinha olhos preocupados e seu cabelo parecia um algodão-doce negro. Tentei me concentrar na conversa que eu estava tendo.

— Quê?

— Você estava tentando se matar? — ele perguntou assim, com todas as letras.

Eu fiquei momentaneamente sem palavras, mas por fim fechei a boca e respirei fundo. Eu não tinha direito de me sentir ofendida com a pergunta, não quando ela passava tão perto da verdade.

— Olha, relaxa. Não fiz nada. Já desci. E agora preciso ir.

Eu tentei desviar dele, mas ele bloqueou meu caminho outra vez.

— Ei, calma. Você não pode simplesmente ir embora. — Eu congelei enquanto ele continuava me olhando. — Me fala o que te fez desistir.

Aquilo me intrigou.

— O que me fez desistir? — eu ri. — Você não deveria estar me perguntando o que me fez sequer considerar a ideia?

Ele entortou a cabeça e me considerou por alguns instantes. Seus olhos estavam estreitos, e eu percebi que ele estava segurando uma garrafa ainda fechada de cerveja. Ele batucou na garrafa com as pontas dos dedos e suspirou.

— E o que te fez considerar a ideia?

Eu engoli em seco, intimidada com a intensidade. Mesmo eu tendo sugerido o tema, ninguém nunca tinha me feito essa pergunta de forma tão direta antes.

— Não, mudei de ideia. Vamos falar sobre o que me fez desistir. É mais simples.

— Ok... — ele concordou.

— Minha amiga me ligou — comecei.

— Aham... — ele anuiu, como se genuinamente achasse que essa fosse uma excelente razão para alguém desistir de tirar a própria vida.

— Ela precisa de mim.

— Ela precisa de você pra quê?

— Não sei. Ela não disse.

Mais dois passos e adeus [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora