Cerca de um ano se passou desde aquela sexta-feira.
A sensação é que se passou uma eternidade. Algumas vezes, sinto como se tivesse acontecido em outra vida. Por mais que eu tente, eu não consigo me lembrar exatamente como era me sentir daquele modo, tão pequena, tão sozinha, tão impotente.
Os remédios me puxaram para o chão imediatamente. Me deixaram equilibrada. A lógica e a razão tomaram o espaço das emoções confusas e sem sentido, e eu finalmente pude voltar a tomar decisões com mais clareza.
Não sentir vontade de morrer todos os dias era um grande bônus.
Isso me permitiu controlar e organizar minha vida. Consegui me dedicar melhor aos estudos, minha concentração e foco voltaram, fazendo minhas notas aumentarem. Eu também voltei para as aulas de balé, minha grande paixão, e além disso comecei a nadar. Sem contar as caminhadas diárias com André. Os exercícios preencheram meus momentos de ócio sem eliminarem o espaço do prazer. Eu comecei a me sentir revigorada.
Quase feliz.
André foi essencial para todo o processo, mas não digo que foi ele quem me salvou. A ajuda foi mútua e colaborativa. Enquanto ele me auxiliava a escalar para fora do poço onde eu tinha me metido, eu o ajudava a finalmente passar pelo luto pela irmã, um processo psicológico crucial para sua evolução como pessoa.
O fato é que André pode até ter me ajudado bastante (e eu sou tão grata por tudo), mas é a mim mesma que devo a maior parte do crédito.
Se eu não estivesse disposta a dar mais uma chance a mim mesma, nada disso teria acontecido. Eu nunca teria descido daquele prédio. Não sei se eu teria chegado a pular, mas com certeza não teria aberto meus olhos para a realidade: não era tempo do fim.
As consultas com a minha terapeuta, Simone, me ajudaram a mapear meus problemas e colocá-los em caixinhas para que fosse mais fácil lidar com eles. Eu entendi as raízes dos meus medos, as fontes de muitas das minhas emoções, e eu aprendi a conviver com meus defeitos e a aceitar a mim mesma.
Com o tempo, não precisarei mais do remédio. O tronco foi retirado. O rio voltou a fluir.
É claro que nada disso foi instantâneo, e nada é definitivo. O processo dura uma vida inteira. Eu ainda estou me recuperando, ainda estou tentando sobreviver.
Algumas vezes, a antiga Alice retorna. Eu me encolho na cama sem forças por algumas horas, talvez alguns dias, e choro. Mas a tristeza não permanece. Eu não estou mais sozinha. Eu aprendi a lutar.
E, no final, fico imensamente aliviada pelo meu destino.
Não consigo deixar de pensar em como tudo poderia ter sido tão diferente se eu tivesse dado aqueles dois passos e me jogado nos braços da morte.
Eu só queria poder deixar um recado para a Alice de cerca de um ano atrás, ou para a Alice que talvez retorne em algum outro momento da minha vida:
"Viva.
Não por seus amigos ou por sua família ou por uma noção de que a vida tem que ser vivida.
Mas por você própria.
Viva por você.
Há tanto no mundo que você ainda não experimentou. Há tantas coisas presas dentro de você que você ainda não teve a chance de compartilhar com o resto das pessoas. Todos os seus sonhos, os seus medos, todos os sentimentos que você já sentiu, bons ou ruins... tudo isso se perderia. Tudo se dissiparia como fumaça.
Você precisa fazer isso. Deve esse pequeno favor a si mesma, o direito de saber como será o futuro. Eu prometo que não será assim para sempre. Eu prometo que vai melhorar, e eu quero tanto que você possa sentir essa melhora com todas as células do seu corpo.
Viva.
Porque você merece isso."
♥ ♥ ♥
FIM
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Mais dois passos e adeus [Completo]
Short StoryAlice decidiu que queria morrer, mas o mundo tinha outros planos para ela. Depois de receber uma ligação misteriosa de uma velha amiga, Alice resolve dar uma nova chance a si mesma. É assim que se torna próxima de seu vizinho, André, que se in...