Bônus - Calmaria

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Bônus - Calmaria

Amiga. Amante. Vitoriosa. Inimiga. Noiva. Alvo. Bestante. Vizinha. Caçadora. Tributo. Aliada. Tentei entende-la de mil maneiras diferentes e falhei miseravelmente em todas elas. Ela era uma incógnita, afinal. Incompreensível, indecifrável. Era Katniss Everdeen. Um espírito livre. E eu era apenas um louco desconcertado diante de sua força.

Ela era a minha perdição e eu amava isso. Era cômico o modo que ela se encaixava em minha vida: o pilar da minha sanidade e o gatilho para as minhas crises de loucura, o símbolo da paz e a razão das minhas guerras internas, a protagonista dos meus pesadelos e o anjo inalcançável presente em meus sonhos, ela representava a minha vida e a morte do meu antigo eu. Uma contradição. Minha contradição.

Eu sofri por semanas mediante à sua depressão. Ela sempre fora tão destemida que eu me recusava a vê-la naquele estado: desistindo de viver, se entregando a loucura. Eu quase enlouqueci por isso. Eu já havia voltado a amá-la e presenciar seu estado me matava aos poucos. Doía.

Não pude descrever meus sentimentos ao encontrá-la encolhida no chão em frente ao quarto de Prim certa manhã. A parte obscura de mim aplaudiu aquilo, ela estava sofrendo afinal e o monstro que se instalara em mim com o veneno das teleguiadas almejava isso. Mas a outra parte, a parte que havia aprendido a sobrepor a outra, sentia como se alguém o tivesse apunhalado. Pois eu a amava. Incondicional e irrevogavelmente. Eu era um tolo e me apaixonaria por ela quantas vezes fosse preciso. Por que eu não seria eu se não a amasse. Ela era parte de mim, uma parte irrenunciável.

E quando aos poucos ela foi cedendo a minha proximidade, me permiti ter esperanças novamente. Talvez pudéssemos viver outra vez. Talvez, apesar das feridas, ela pudesse reviver, como uma fênix levantando-se das cinzas. Talvez ela pudesse retribuir meus sentimentos um dia...

Essa teoria foi reforçada quando ela me permitiu dormir ao seu lado de novo. Havia ouvido seus gritos como todas as noites e, pela amizade que havíamos reiniciado há algumas semanas eu resolvi tentar ajuda-la. Lembrava-me com clareza das noites no trem da Turnê dos Vitoriosos; as lembranças haviam surgido nítidas, pouco depois da minha volta ao Distrito Doze e Dr. Aurelius tomara isso como um sinal de melhora. Tendo isso em mente, permiti-me vestir um casaco, calças, um par de sapatos e andar apressado até sua casa, a qual eu sabia que estaria aberta. Katniss nunca trancava a casa. Subi as escadas às pressas e parei em frente a porta de seu quarto, abrindo-a devagar e encontrando-a sentada na cama, ainda ofegante pelo pesadelo recente.

— Katniss? – sussurrei para que desse conta de minha presença.

— Estou aqui. – sussurrou de volta.

Entrei timidamente, sem convite e me sentei na beirada de sua cama.

— Está tudo bem? – questionei, mesmo sabendo que ela não estava. Queria que ela falasse por si só, que contasse-me o que a afligia. Queria ter sua confiança. – Eu... ouvi seus gritos da minha casa.

— Pesadelos. – murmurou dando de ombros.

— Eu também os tenho. – confidenciei-lhe. – Mesmo embora alguns sejam relacionados a memórias falsas. – E outros em relação a perder-te, foi o que eu não verbalizei, ainda que meu coração pedisse para fazê-lo.

— São uma rotina para mim já. – confessou por fim e mesmo tendo conhecimento, fiquei feliz por ela voluntariar-se a contar-me isso. – Desde o fim dos primeiros jogos. Simplesmente não consigo me livrar deles.

— É, eu me lembro de algumas noites no trem, onde nós dormíamos juntos para espantar os pesadelos. – murmurei, aproveitando a deixa para que ela confirmasse essa memória para mim. – Verdadeiro ou falso? – perguntei, fitando-a.

DesentorpecendoOnde histórias criam vida. Descubra agora