4 - A festa

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Acordei me sentindo extremamente dolorida. Por mais que eu tenha apagado na noite anterior, pesadelos rondaram o tempo todo. Acordei suada e com falta de ar, sentia minha pele quente, meu braço com pontadas de dor, a boca seca e abarriga vazia.

Tomei um banho gelado para me despertar ao máximo, limpei o mais rápido que pude o resto da palhaçada de ontem. Várias garrafas na lixeira de fora, um pano molhado no chão depois de recolher os cacos de vidro que ainda estavam ali. Quando terminei de limpar, um pouco antes de sair para escola, notei a porta do quarto aberta, e espiando pela fresta da porta, vi meu pai caído na cama. Ele sempre ia embora. Não era para estar ali. Isso me fazia questionar por quanto tempo mais ele ficaria em casa, o que não era bom. Não era seguro. Eu não fazia ideia de como ele conseguia dormir daquele jeito na cama que sua mulher morta dormia, parecia não ter mais lembranças dela sequer.

Cheguei na escola na mesma hora em que o sinal tocou. Passei todas as aulas me sentindo péssima. Meu braço latejava, minha cabeça doía, não conseguia me concentrar em nada, e só me esforçava para evitar um surto por ontem. As cenas atormentavam minha mente sem cessar. Cerrava a mão até as juntas ficarem sem cor, e sentir minha pequena unha cravando a palma da minha mão. Eu não podia surtar ali.

Depois de tantas aulas cansativas, fui até o banheiro lavar meu rosto, arrumar meu cabelo, e refazer o curativo do braço antes de sair da escola. Como eu não queria voltar para casa e encontrar meu pai, fui direto para a lanchonete. Helena estranhou eu estar lá antes mesmo dela. Ter a chave de lá era excelente nessas horas. Fiz um sanduiche rápido como almoço, e comecei a arrumar as mesas, quando Helena chegou.

- É que eu tenho muita coisa para fazer hoje, então pensei em vir mais cedo para estudar depois, tem problema? – Perguntei quando notei sua expressão surpresa

- Não, sem problemas – parecia desconfiada do que eu dizia

- Helena? Tem problema eu estudar nos fundos no turno do Fernando? Achei que talvez ele pudesse me ajudar em algumas questões que ele sabe – o que não era mentira, eu realmente precisava de ajuda para conseguir resolver aquelas tarefas já que passei a aula toda sem entender uma vírgula.

- Você sabe que não tem problema, querida. Além de que hoje é sexta, a Mary faz o turno junto com o Fernando.

Depois de agradecer a Helena, continuei meu trabalho. Eu admirava demais o quanto ela era compreensiva e gentil. Nunca vi ela ser má com ninguém. Sempre ajudava a todos. Quando pessoas de rua estavam na frente da lanchonete, muitos clientes chegavam reclamando, alertando-a dizendo que iam rouba-la, mas ela tinha uma atitude mais linda que a outra. Separava um lanche e um suco e entregava pessoalmente ao sem teto, ou quem quer que fosse que estivesse passando necessidade. Muitos achavam isso burrice, eu sabia que era amor.

- Oi, boa noit... meu deus Micaela, que cara é essa? – Fernando falou assim que chegou e me viu do outro lado do balcão

- Ué, minha cara, porque? – Eu me fiz de desentendida, mas imaginava que devia estar parecendo um zumbi

- Parece que não dorme a dias, credo. Vai dormir vai – brincou enquanto desamarrava meu avental me empurrando para ir embora. Eu ria, mas impedi que me levasse até a porta

- Na verdade eu não vou agora. Tenho algumas tarefas, e queria que você me ajudasse... ok? – Fiz um beicinho com aqueles olhinhos de gato sem dona que ele não resistia. Assim que ele revirou os olhos e assentiu eu agradeci – Helena já está sabendo que vai dar uma ajuda pra mim, vou estar nos fundos, quando não tiver muito movimento aqui você vai lá. Mary vai chegar daqui a pouco.

- Ta bom, chata. Mas tá me devendo essa. Se bem que eu já sei como vai pagar

- Do que você tá falando? –Fernando não respondeu minha pergunta, apenas saiu enquanto me olhava com uma expressão de vilão de desenho animado, então desisti e me retirei revirando os olhos. Eu não fazia ideia do que ele tinha em mente, mas esperava que não estivesse falando sério.

Lembranças Perdidas De Uma Garota QualquerOnde histórias criam vida. Descubra agora