Lembranças Perdidas De Uma Garota Qualquer

9 - Um convite que deu errado

Acordei em cima da hora no dia seguinte. Fui o caminho tomando um copo de café e cheguei alguns minutos antes do sinal tocar, anunciando a primeira aula. Lucas estava na minha turma de biologia e eu observava a paciência e a graça que carregava sempre. Agora ele usava o cabelo raspado, e sua pele morena contrastava com seus olhos cor de mel. Era comum nós trocarmos algumas palavras, afinal Lucas não parecia ter mudado nadinha em relação a nossa amizade, apenas mantinha o mesmo espaço que acabamos colocando entre a gente ao passar dos meses. Mas de alguma forma eu me sentia confortável em saber que sua visão sobre mim continuava a mesma. Deferente de Adam, Lucas nunca pareceu chateado ou bravo com a situação da nossa amizade. Talvez fosse por sua personalidade tão amável, ele nunca se desfazia de ninguém, e compreendia melhor que todos o que os amigos enfrentavam. Ele era o sinônimo de empatia, algo que confortava o coração.

Laura também teve uma reação diferente depois que nos afastamos ano passado. Ela pareceu decepcionada, e talvez estivesse correta em estar, afinal a culpa não foi só deles por terem desistido de mim, talvez eu ter desistido de mim mesma não tivesse ajudado. Por muito tempo foi muito estranho não ser sua amiga, já que fazíamos tudo juntas. Sua mãe sempre era gentil comigo, fazia bolo para nós comermos enquanto maratonavámos Harry Potter, mas nos fazia ajudar a limpar a bagunça depois. Nos divertíamos muito.

Se dissesse que não sentia falta estaria mentindo, mas aos poucos me conformei com isso, até por que não sobrava muito tempo para pensar em amigos entre escola, trabalho e a porrada de problemas que sempre apareciam.

Observando de longe, eu não reconhecia boa parte da nova Laura. Ela sempre foi alegre, e quando entrou no teatro eu sabia que seria o lugar perfeito para ela. Mas depois que se aproximou de Bianca, seu brilho natural começou a se ofuscar. Parecia que ela se diminuía para caber naquela amizade, ela evitava ser boa demais para não tirar a atenção da amiga e acabava se anulando. Laura nunca foi de se apagar por outra pessoa, seu lugar sempre foi nos holofotes, e não de um jeito ruim como se buscasse a atenção de todos, na realidade ela não ligava, mas por onde quer que ela passasse todos sempre reparavam nela. Era algo natural. Levava consigo um tipo de luz que aquecia o coração de quem a admirasse. Talvez, por conta de sua gentileza e humor.

Passei duas aulas de gramatica debatendo questões em grupo com dois colegas de sala, Robert e Briana, e um pouco antes da última aula fui a biblioteca buscar alguns livros de literatura clássica para que Adam lesse. Pelo tempo que tinha calculei que poderia almoçar em casa dessa vez, fiz um peixe grelhado com purê de batata e logo sai para o trabalho.

Depois de vestir meu avental notei que Mary estava fazendo o turno da tarde também. Quando voltou com os pedidos anotados comecei a contar as novidades enquanto preparava um sanduiche de atum e um suco natural.

- Escutei que ele estava suspenso do time e pensei que seria a oportunidade perfeita, e por mais estranho que seja o clima, pelo menos faço uma grana extra.

- Você se esforça além da conta, mulher – dizia encostada ao balcão de frente para mim, seus cachos ruivos presos por uma bandana balançando – se você pedisse à Helena ela te ajudaria

- Eu sei, mas não gosto de depender de ninguém, Mary – a ouvi resmungar "besta" quando eu fui até a mesa entregar o pedido de um rapaz tão baixinho quanto eu.

Quando voltei para trás do balcão meu celular voltou a vibrar no bolso, Mary me olhou com uma expressão de "não vai ver o que é?" Enquanto enxugava algumas taças, eu apenas respondi que não era nada. Mas eu sabia que era. As mensagens anônimas não paravam, continuavam vindo cada vez com mais frequência, e eu continuava as ignorando. Afinal, o que eu responderia? Enviaria um nude em troca de uma suposta paz? Eu não era tão burra assim.