Delícias da vitória

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A cada dois anos costuma acontecer em Phoenix o que os meteorologistas chamam de Enchente de Quinhentos Anos. Começa com uma chuva fina que dura alguns dias e depois se transforma numa torrente que vara dia e noite, sem parar por semanas como a terra do deserto é dura e seca demais para conseguir absorver tanta água, tudo que cai no céu corre pelo vale enchendo-o até a altura do tornozelo, deixando os carros atolados e alagando como uma maré barrenta os gramados em frente das casas. De modo geral a chuva não começa antes do final de dezembro, mas naquele ano ela se adiantou. Choveu a cântaros sem parar por vários dias antes da competição regional. Quando os Golfinhos partiram de Tucson no sábado, numa viagem de duas horas lagos enormes de água da chuva cobriam o deserto de forma tão estranha que parecia uma miragem.

__ Na lua deve ser parecido com isso – disse eu a Wagner, um aluno do quarto ano que estava sentado perto de mim no ônibus. Chris, na fileira da frente virou-se com um sorriso de aprovação.

__ Não sei por que temos de fazer todo esse trajeto para Tucson – disse ele, brincando – quando poderíamos simplesmente parar em um desses lagos e fazer a competição por aqui mesmo.

Meu coração disparou era um daqueles momentos propícios em que um de nós poderia ter-se desculpado mas depois de um silêncio terrível e tenso, ambos nos viramos para nossas janelas e não nos falamos mais até o término da competição. Era nas competições regionais que se encontravam os melhores atletas: nomes de recordistas estaduais que reconheci pela escala e pelos rostos que vira muitas vezes antes no bloco de partida ao dar uma olhada nas equipes, tentei pensar nas regionais como sendo mais uma competição.

Tanto talento e tanta pressão poderiam se intimidar se a gente não tomasse cuidado, poderia ficar realmente amedrontada considerando que havia lá treinadores de pelo menos doze faculdades observando. E ainda mais que minha mãe tirara uma tarde de folga do banco para me ver nadar. Não fiquei surpresa de encontrar Leila no vestiário, meia hora antes da competição com uma mancha avermelhada em volta dos olhos de tanto se conter para não chorar.

Inicialmente conversei com alguns dos colegas de equipe, fingindo não perceber, imaginando que ela estava com raiva apenas porque o treinador August, ao ver que eu melhorara nas viradas e no tempo, me escolhera para a prova dos cem metros de nado livre. Mas no final tive de dizer alguma coisa. A competição mais importante da temporada estava para começar e ela nem tinha colocado o maiô ainda.

__ Há algo errado ? – perguntei, indiferente, depois de me sentar ao seu lado e me abaixar para desamarrar os sapatos Leila começou a chorar. - Não vou conseguir entrar na piscina.

__ É claro que você vai – disse-lhe. – Toda equipe tem direito a quinze minutos no aquecimento.

__ Você não está entendendo – insistiu. – Não posso entrar na piscina.

__ O que você quer dizer ?

__ Quando penso em nadar, sinto como se fosse sufocar – respondeu ela, segurando a garganta. – Meus pais estão lá fora e eles esperam que eu vença.

No começo pensei que Leila estivesse apenas fazendo drama, como uma maneira velada de me amedrontar. Porém, pela expressão de medo em seu rosto, percebi que era sério. Não havia tempo para especulação ou rixas antigas.

__ Feche os olhos – disse-lhe e, para minha surpresa ela o fez. – Respire fundo.

__ Agora imagine-se nadando e diga pare ! bem alto se perceber que está começando a sufocar. Depois de fazer com que colocasse o maiô, sentei-me com ela outra vez e ficamos treinando até poucos minutos antes da competição.

Meu primeiro namoradoOnde histórias criam vida. Descubra agora