Capítulo 1

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Pelas ruas escuras e desertas, dirijo um carro — ou tento, pois a verdade é que não sei dirigir. Mas aqui estou, ao volante do veículo em movimento, sem a menor ideia de como vim parar no FIAT Uno que minha mãe guiava quando eu tinha uns sete anos. Como eu sei que é o antigo carro dela, e não um Uno verde qualquer? Eu sei, eis tudo. Tensa, ombros rígidos, tento não arremessar o automóvel contra um poste. Quando enfim parece que estou pegando o jeito, acordo. Surpreendo-me por estar em meu quarto, deitada em minha cama, pois eu bem sabia que havia adormecido no sofá. Respiro fundo. Olho para minha esquerda e vislumbro o vulto de meu marido deitado ao meu lado, a dormir. Verifico o despertador: duas e meia da manhã.

Esse sonho é recorrente desde minha adolescência, e não estou admirada por ele ressurgir agora, quando o controle que busco manter sobre tudo o que me cerca me escapou abrupta e completamente. Meu antigo terapeuta dizia que minha ansiedade e excessiva busca por controle deviam-se à sensação de só poder contar comigo mesma, pela falta de uma figura de autoridade confiável na infância.

Encontro-me na vigésima semana de gestação, e minha gravidez, como tudo em minha vida, foi planejada com diligência. Exerci minha capacidade de gerar uma vida quando me aprouvesse, e não ao gosto do acaso ou de uma entidade sobrenatural (subtraí da equação o fato de que foi pura sorte, portanto, obra do acaso, eu haver engravidado na primeira tentativa).

Sei que não conseguirei voltar a dormir e passo a remoer em detalhes as últimas horas.

À tarde, eu fora a uma clínica fazer o chamado ultrassom morfológico. Depois dos cumprimentos e sorrisos do médico, acomodei-me na cama, levantei a blusa e esperei ele passar o gel.

"Querem saber o sexo?" ele se assegurou antes de anunciar, satisfeito, mediante nosso "sim!" ansioso: "É uma menininha!"

Eu e meu marido trocamos olhares risonhos. Ele prosseguiu o exame:

"Aqui está o coração, perfeito, o pulmão, o estômago..."

Silêncio. E mais silêncio. O médico passava e repassava o transdutor na minha barriga. Mais para cima. Mais para baixo. Mais para a esquerda. Mais para a direita. Até que ele suspirou e virou-se para mim:

"Sinto muito."

Meu coração congelou. Sinto muito pelo quê?

"Sua filhinha não tem os rins. Agenesia renal bilateral. Não irá sobreviver fora do útero, não há nada a ser feito..."

Eu não respondi. Quis correr, mas minhas pernas pesavam cem quilos cada uma. Consternada, vi que ele continuava o exame. Por quê? Para quê? Que me interessava saber se a bexiga ou os intestinos eram bem formados, se não serviriam para nada? Ela iria morrer! Continuei muda durante todo aquele escrutínio, e, ao fim, meu marido me amparou para eu descer dali.

"Mais uma vez, eu sinto muito." O médico tentava preencher o silêncio, dizer qualquer coisa. "Sua filha é grande, robusta, mas..." e calou-se, não encontrando receptividade às suas palavras.

Saí de lá pisando duro, como se a culpa fosse dele. Entrei no carro e desabei. Abafados por meus soluços, ouviam-se o canto de alguns passarinhos pousados nos galhos da árvore sob a qual estacionamos e, ao longe, os gritos e risadas de um grupo de crianças a brincar.

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