Capítulo 10

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Ela só chegou às quarenta e uma semanas. Como meu marido sonhara, era dia, e estávamos tranquilos. Apesar de o piso da maternidade não ser de tacos de madeira, nem as janelas, verdes, o sol entrava através delas, e o dia era lindo. Acho que o trabalho de parto não foi difícil. Ou foi, mas, diante das circunstâncias, não consegui prestar atenção à dor. É possível que eu simplesmente haja esquecido, a memória ocupada pelo encontro que veio a seguir. Deste, lembro-me bem. Do quanto fiquei maravilhada com a beleza e perfeição daquela menininha: cinco dedinhos em cada mão e em cada pé, a cabeça já coberta de cabelos, ar sereno, respiração suave e ritmada, corpinho bem proporcionado; nada indicava que ela não estava apta a viver aqui fora.

Poucos minutos depois, começou a mamar com vigor. Tentei conter as lágrimas, mas era difícil não extravasar aquela mistura de tanta felicidade com tanta desolação e desesperança. Nós a vestimos, e meu marido pegou-a ao colo. Não avisamos a ninguém da família quando eu entrei em trabalho de parto. Se teríamos tão pouco tempo com ela, não queríamos dividi-lo com ninguém.

Ela voltou para meus braços e tornou a mamar. Foi caindo num sono do qual eu intuía que não acordaria mais. Ao adormecer, sorriu, e, mesmo que eu soubesse que era apenas um rictus fisiológico, é a imagem mais forte que guardo daquele dia; escolhi interpretar aquele sorriso involuntário como prova de que ela também estava feliz com o encontro, em compor nossa família por aqueles breves instantes. Mantive-a aconchegada a mim, meu nariz encostado em seus cabelos o tempo todo, tentando desesperadamente guardar a lembrança daquele cheiro, a exata sensação de seu peso quente se amoldando a meus braços. Assim permaneci mesmo um bom tempo após sua respiração haver-se extinguido.

Na gaveta da minha mesa de cabeceira, guardo um diminuto cachinho de seus cabelos e a roupinha com que a vesti na maternidade — únicas provas materiais de que ela esteve aqui. Estão numa embalagem do tipo ziplock, bem fechada para conservar seu perfume. Ainda assim, três anos depois, o cheiro já quase evanesceu. Não importa, em minha mente ele sempre será tão vívido quanto quando tinha os cabelos dela sob o meu nariz.

Desde que ela se foi, não temo mais o inesperado, o imprevisível. Entregar-me ao imponderável trouxe-me mais conforto que estar no controle de tudo.

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