Na tarde seguinte, durante a consulta, o obstetra pareceu surpreso com nossa decisão, mas foi solidário e não fez comentários.
Havia dias melhores e outros piores. Um dos mais difíceis foi quando, enfim, decidimos contar à família. Pronunciar diante de todos, em alto e bom som, que nossa filha não sobreviveria ao nascimento foi reviver toda a angústia de quando ouvi essas mesmas palavras do ultrassonografista. Alguns parentes se afastaram a partir de então, talvez por não saberem o que dizer, ou como agir. Não os culpo. E eu preferia mesmo ficar a sós com meu marido. Os melhores dias, eu queria compartilhá-los com ele, apenas. Só ele poderia apreciar a dimensão e significado daquelas pequenas alegrias, como quando anunciamos à nossa filha qual seria o seu nome, ou quando ela tornou-se robusta o suficiente para que seus movimentos fossem percebidos também pelo pai, do lado de fora. O que, para outros casais, era apenas a porta de entrada para um longo caminho com seus filhos, pela qual passavam alheados, para nós era toda a jornada, a que dedicávamos plena atenção.
Faltando cerca de um mês para que se completassem as trinta e oito semanas de gestação a partir das quais nossa menina poderia nascer, meu marido conseguiu uma licença médica como acompanhante da esposa, "cuja gestação era de risco", conforme o atestado anunciava. Era bem verdade que havia o risco de um parto prematuro, ou de morte intra-útero, e, em tais casos, seria bom tê-lo disponível e a postos, mas essa não fora a motivação para que buscássemos sua liberação do emprego. O que queríamos eram férias em família, as únicas que poderíamos ter com ela.
Eu já não podia embarcar num avião, então fazíamos curtas viagens de carro ou íamos à praia perto de casa. Eram dias agridoces, em que, se, por um lado, parecíamos viver uma segunda lua-de-mel, por outro, encontrávamo-nos em melancólica expectativa. Eu desejava e temia o parto. Ansiava por conhecer nossa filha, ver-lhe o rostinho e acalentá-la, mas me apavorava a despedida quase instantânea. Ela também parecia querer prolongar a convivência tanto quanto podia, pois a trigésima oitava semana se passou, a trigésima nona, a quadragésima...

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No Controle
General FictionGrávida de vinte semanas, ela descobre que o feto não tem os rins, e nenhuma chance de sobrevida após o parto, sendo aconselhada pelo obstetra a fazer um aborto. Os conflitos de uma mãe que, quer aborte ou não, acabará sem sua filha.