Capítulo 8

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Quando chegamos em casa, já era bem tarde. Escorreguei suavemente para um sono tranquilo — o vinho contribuiu. Não foi surpresa nenhuma encontrar-me outra vez diante do Uno de minha mãe. Desta vez, porém, eu não caía do céu dentro de um carro desgovernado, mas entrava nele voluntariamente, porque eu sabia guiar, e sabia aonde queria ir. Fui dirigindo por uma estrada vazia, exceto pelo meu veículo. Minha janela estava aberta, e por ela entrou a mesma borboleta que escapara de minha camiseta no último sonho. Ela seguiu comigo por parte do caminho. O sol se punha à nossa frente, e, quando já estava bem baixo, a borboleta saiu janela afora com a mesma naturalidade com que havia entrado. Dali por diante, eu teria que seguir sozinha. Acordei-me não no meio da madrugada, mas com o dia já nascido. Sentia-me quase feliz.

Levantei-me disposta e mesmo ansiosa pelos afazeres à minha espera. Após marcar uma nova consulta com o obstetra, fui até o shopping, à mesma loja de roupinhas de bebê em que entrara na semana anterior. Eu poderia ir a qualquer outra loja, é claro, mas voltar ali, de onde fugira tão derrotada, realçava minha superação. A vendedora me reconheceu através da vitrine antes mesmo que eu entrasse, e seu olhar não era muito amistoso. Entrei confiante e fiz questão de tomar a iniciativa de dirigir-me a ela. Pedi desculpas pelo outro dia, alegando que me sentira muito mal e precisara sair correndo para o banheiro, "coisas de grávida, você sabe como é!" Seu rosto suavizou-se. Prossegui, anunciando que já sabia que era uma menina, e ganhei um sorriso. Notei que ela começava a se animar.

"É mais fácil fazer compras quando sabemos o sexo, não é?" ela palrava, empolgada. "Nossa, como você deve estar feliz! Também sou mãe de uma menininha, minha paixão! Você já sente ela se mexer?" e mil outras perguntas e observações, enquanto me mostrava os modelinhos. Ela não parava de falar! Como alguém podia ter tanto talento para conversa fiada?! Não importava. Eu me sentia realizada ao escolher aquelas roupas, como uma futura mamãe tão comum quanto qualquer outra que ali se encontrava.

Comprei três peças, mais do que ela usaria em sua breve vida. Estava triste, mas em paz. Horas mais tarde, quando meu marido chegou em casa, encontrou-me deitada em nossa cama, contemplando as roupas estendidas ao meu lado.

"São lindas!" Sua voz era um murmúrio; ainda assim me assustou, pois eu não havia percebido sua presença. Ele se aproximou, pôs as mãos em minha barriga e cumprimentou a bebê. Passamos um bom tempo conversando com ela, no que foi o primeiro dia de um ritual que estabeleceríamos.

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