Em casa, a única coisa que havia feito desde que chegara da clínica fora chorar e engolir umas colheradas de sopa e uns goles d'água que meu marido me forçou garganta abaixo. Desesperei-me tanto que não cedi nenhum espaço para ele manifestar sua dor. Largada no sofá, ouvi quando telefonou tentando antecipar a consulta com o obstetra, mas sequer perguntei se havia conseguido. Deixei-o só tanto em seu luto quanto para resolver as questões práticas. Desmaiei por lá mesmo — e despertei em minha cama, após o sonho tão familiar.
Os primeiros raios de sol atravessaram minhas pálpebras ainda inchadas pelo choro. Assustada, olhei de novo o despertador: quase seis horas!
"Querida," meu marido virou-se na cama e me chamou, "como você está?"
"Não sei," respondi.
"Eu tenho que ir trabalhar, tudo bem?" Ele esperou minha anuência antes de continuar: "Mas fico lá só pela manhã. Almoçamos juntos e, no meio da tarde, iremos à consulta com o obstetra." Ele sorriu. "Tenho certeza de que ele terá palavras mais otimistas para nós. O diabo não será assim tão feio quanto pintaram."
Minha vontade foi de voltar a chorar, mas achei que ele merecia um refresco. Apenas assenti com a cabeça e tentei sorrir, repuxando os lábios. Assim que ele saiu, mandei uma mensagem para o escritório, avisando que eu não iria trabalhar naquele dia, e abri meu laptop. Pesquisei por teratogenia, malformações e agenesia renal. Às vezes a tela ficava borrada, e só então me dava conta de que havia voltado a chorar, as lágrimas silenciosas se represando nos cílios inferiores antes de escorrerem bochecha abaixo. Fiquei ali por umas duas horas, sem encontrar nenhum artigo mais otimista, nenhum fio de esperança. O diabo era ainda mais feio que no dia anterior.
Ouvi meu telefone tocar. Olhei o número que chamava. Minha mãe. Não atendi. Eu ainda não me sentia preparada para falar sobre o assunto — ao mesmo tempo, seria impossível ignorá-lo e manter uma conversa casual.
Já eram quase onze horas. Fui aguardar por meu marido em frente à televisão, na expectativa de que o efeito hipnótico da tela me afastasse por ora daquela realidade medonha. Funcionou. O tempo passou rápido e logo ouvi a chave girar na fechadura. Era ele que entrava, trazendo uma enorme barca de sushi. Mirei-o nos olhos e ele respondeu com um sorriso inseguro, para logo baixar a vista, talvez incerto sobre se fizera bem ou não.
Aquela barca trazia uma mensagem. Eu adoro sushi e comida japonesa, mas me abstinha há quatro meses, pois alimentos crus não são recomendados para gestantes. Surgir carregando sushis, sashimis e futomakis era afirmar que aquilo não mais importava, era fútil, um cuidado vão: nossa filha não tinha os rins! O que de pior poderia acontecer? Apesar disso, ele estava, ou demonstrava estar, confiante de que o médico acenderia uma lanterna no fim do túnel. Preferi não comentar sobre minhas pesquisas. Primeiro, porque teria que ouvir um discurso sobre o Google não substituir a opinião de um médico. Segundo, porque não queria cortar precocemente o fiapo de esperança a que ele se agarrava. O obstetra o faria em breve, mas, até lá, seriam duas a três horas a menos de desespero. Almoçamos em silêncio, frente a frente. Às vezes, entre um bocado e outro, dávamo-nos as mãos por sobre o tampo da mesa, mas nada dizíamos.
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No Controle
Ficción GeneralGrávida de vinte semanas, ela descobre que o feto não tem os rins, e nenhuma chance de sobrevida após o parto, sendo aconselhada pelo obstetra a fazer um aborto. Os conflitos de uma mãe que, quer aborte ou não, acabará sem sua filha.