Lá chegando, dirigi-me incontinenti ao quarto de minha filha. Destranquei-o, sentei-me no chão e fiquei a encarar as paredes. Eu nunca tivera tanto controle sobre a morte. Esta agora tinha dia e hora marcados. E, no entanto, nunca me sentira tão à mercê. Minhas pálpebras começaram a pesar, o sono que me fugira nas noites anteriores enfim se aproximou e me envolveu. Estirei-me no chão do quarto vazio e deixei a consciência me escapar pouco a pouco.
Mais uma vez, eu dirigia o Uno de minha mãe. Ele descia uma ladeira em alta velocidade, e eu não conseguia mantê-lo em linha reta. O inevitável aconteceu, e acabei indo contra um muro à minha esquerda, batendo a testa com força no volante. Levantei a cabeça. Não doía tanto assim. A camiseta que eu vestia tinha uma borboleta estampada na altura da barriga. Com o impacto, ela se desprendeu e voou, atravessando a janela aberta. Apesar do galo, eu estava aliviada: o carro parara, afinal. Ouvi uma voz me chamar ao longe:
"Querida? Querida?"
Abri os olhos. Meu marido estava sentado ao meu lado e me sacudia devagar.
"Acho que adormeci." Comentei o óbvio enquanto tentava focar a vista ainda embaçada.
"É. Parece que você quer fazer isso em qualquer lugar que não seja nossa cama," ele disse, referindo-se à antevéspera, em que tivera que me carregar da sala para o quarto. "Não sei como você não está enjoada com este cheiro de tinta! Vamos jantar?"
"Já? Que horas são?"
"Sete."
"Querido?!"
"Sim?!"
"Eu marquei." Não era necessário especificar o quê. Ele assentiu com a cabeça, sem nada falar.
Depois de comermos, ele sugeriu vermos um filme. Estávamos há uns quarenta minutos abraçados no sofá, e eu até conseguira me concentrar na história, quando uma sensação esquisita na minha barriga me distraiu. Uma cócega, um leve pulsar. Não dei muita atenção — gravidez é mesmo cheia de sensações estranhas — e voltei a mergulhar na trama.
Mais tarde, na cama, eu estava determinada a dormir de todo o jeito. Não queria suportar outra noite em claro. Virei-me de lado, e nada. De barriga para cima, tampouco o sono veio. Então me arrisquei. Fiquei de barriga para baixo, minha posição favorita desde sempre, mas que abandonara na gestação. Minha barriga ainda era muito pequena, e esta posição não me incomodava. Acredito que também não incomodasse minha filha. Se eu a evitava, era mais por medos irracionais que por motivos concretos. Mas todos os medos menores haviam perdido a importância. Novamente, aquela cosquinha, aquele pulsar. Levantei-me de um salto, ao compreender de súbito o que estava acontecendo: ela se mexia dentro de mim! Saí do quarto, o coração batendo forte, e fui até a cozinha refrescar minhas ideias com dois copos d'água.
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No Controle
General FictionGrávida de vinte semanas, ela descobre que o feto não tem os rins, e nenhuma chance de sobrevida após o parto, sendo aconselhada pelo obstetra a fazer um aborto. Os conflitos de uma mãe que, quer aborte ou não, acabará sem sua filha.