Naquela noite, mais uma vez, acordei no meio da madrugada. Acendi o abajur ao meu lado e abri a gaveta da minha mesa de cabeceira, de onde tirei um papel dobrado. Desdobrei-o com cuidado, quase reverência, revelando a caligrafia de meu obstetra. Um nome e um número. Apertei a folha azulada contra o peito. Aquele papelzinho azul era uma âncora que não me deixava ir à deriva, uma bússola a apontar uma direção. De certa forma, quando o médico falou em aborto, foi um alívio. Alguém me dizia o que fazer. Para onde ligar, com quem falar, o que pedir. Por meio daquele número, eu agendaria um procedimento com data e local marcados, e recobraria um mínimo do controle sobre aquela situação que em tudo me escapava. Guardei o papel e, minutos depois, voltei a pegá-lo. Até às cinco da manhã, já havia repetido aquele gesto umas quinze vezes. Esperava ansiosa que dessem oito horas, um horário em que, eu julgava, já haveria alguém do outro lado da linha para atender.
Como na véspera, às seis horas, mais ou menos, meu marido virou-se para mim e encontrou-me na mesma posição que eu assumira às duas da manhã, sentada na cama, recostada na cabeceira, papel azul na mão. Encarou-me com os olhos avermelhados e, depois, seu olhar deslizou até a pagela.
"Vai mesmo telefonar?" ele indagou.
"Vou!" respondi, firme, como um alerta para que ele não tentasse me convencer do contrário.
À mesa do café, tentamos conversar amenidades, mas era tão óbvio que aquelas frases vazias eram pronunciadas apenas para evitar as que de fato interessavam, que acabamos por desistir. Por fim ele seguiu para o trabalho. Naquele dia, eu também iria trabalhar. Não que eu estivesse sendo pressionada. Era autônoma, sócia em um escritório de arquitetura. Mas estava ansiosa para fingir normalidade por algumas horas. Antes de sair, no entanto, eu tinha uma ligação a fazer. Oito e cinco. Ótimo! Atenderam ao terceiro toque. A pessoa do outro lado era solícita. Estranhou eu estar quase no quinto mês de gestação — ou assim me pareceu, pelo seu tom de voz hesitante; mas não teceu qualquer comentário. Infelizmente, "apesar da urgência do meu caso" (sim, ela estranhou, mesmo), eu só poderia ser atendida em quinze dias. O que me restava, senão concordar? Desliguei e continuei sentada à mesa do café, ambas as mãos pousadas na barriga.
Quando as lágrimas voltaram a escorrer, involuntárias, levantei-me, frustrada e até raivosa por não conseguir contê-las. Não iria passar outro dia a chorar. Precisava alhear-me um pouco. Mas descobri que não se consegue isso apenas mudando-se de ambiente, sobretudo para fazer algo que exija concentração, como as tarefas do escritório. Enquanto tentava olhar aquelas plantas baixas à minha frente, minha vista se desfocava, atravessava o papel, perdia-se enquanto eu me afogava em autocomiseração. Resolvi fazer algo que me distraísse de verdade. Fui ao cinema, mas meu carma me perseguia: nos corredores do shopping center, a caminho das salas de exibição, cruzei com várias grávidas. Era como se todas as gestantes da cidade estivessem ali. Passei em frente a uma loja de roupas para bebês. Meu primeiro impulso foi o de virar a cara e continuar andando, mas aquela vitrine me atraía como um ímã. Parei diante dela, observando com sofreguidão aquelas roupinhas lindas que minha filha jamais vestiria. Uma vendedora sorriu-me de lá de dentro e se aproximou:
"Não gostaria de entrar?"
Apenas balancei a cabeça afirmativamente, a voz presa na garganta. Aquela loja era o fruto proibido, aquele do qual eu não poderia comer — e, como tal, irresistível.
"Com quantos meses você está?"
"Quatro," murmurei.
"Parabéns!" ela continuou, entusiástica. "Já sabe o sexo?"
Menti que não, assim não prolongava muito aquela conversa dolorosa. Eu só queria mesmo era ver as roupinhas.
"Neste caso, vou-lhe mostrar algumas peças com cores mais neutras," e começou a estendê-las no balcão à minha frente. Passei as mãos com cuidado sobre elas, como quem toca uma pétala de rosa, sentindo a maciez do tecido. Aquelas cores suaves enchiam meus olhos, a fragrância de colônia de bebê que rescendia da loja me inebriava. Então, de repente, dei-lhe as costas e, sem me despedir ou agradecer, saí apressada, quase correndo. Fora um erro entrar ali. Desisti do cinema e tomei um táxi para casa.
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No Controle
Narrativa generaleGrávida de vinte semanas, ela descobre que o feto não tem os rins, e nenhuma chance de sobrevida após o parto, sendo aconselhada pelo obstetra a fazer um aborto. Os conflitos de uma mãe que, quer aborte ou não, acabará sem sua filha.