Seven

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Meu pai estava parado na porta de casa. Ele me encarava com cara de nojo, seus olhos passando lentamente pelas minhas pernas descobertas. Eu quase podia ouvir as palavras que estavam se formando dentro da cabeça dele: puta, vagabunda.

Passei sem nem olhar para trás, caminhei firme e forte pela área da casa e fui até a sala que conservava a mesma tinta branca imaculada de dois anos atrás.

Passando pela grande porta de madeira italiana eu pude ver minha irmã mais nova esparramada no sofá, com um lençol cobrindo suas pernas e os cabelos quase tocando o chão. Dava pra ver que ela estava lutando contra o sono das nove horas da manhã, o que para qualquer adolescente seria considerado ainda madrugada.

A televisão estava ligada para as paredes, a voz de um repórter preenchia a sala enquanto ele dava as notícia locais. 

Qualquer pessoa se perguntaria porque aquela garota simplesmente não voltava para a cama e dormia para aproveitar o melhor do sábado ao invés de ficar pescando no sofá.

Mas tendo o pai que eu tenho, sabia que ainda reinava na casa aquela regra idiota de não dormir depois das oito da manhã para  fazer "algo de produtivo com seu dia".

O que era uma regra de merda se querem saber minha opinião.

Lembrei de quando éramos crianças e adorávamos dar susto uns nos outros e fui me aproximando sem fazer barulho. Já estava rindo comigo mesma antes de fazer o que eu tinha planejado.

- BU! - gritei bem próximo ao ouvido dela.

- Puta que pariu - minha irmã mais nova xingou pulando no sofá.

Pulei em cima dela gargalhando e tentando abrir espaço para mim.

- Se o seu Geraldo tivesse ouvido o que você disse já teria começado a lavar sua boca com água sanitária antes que você conseguisse pedir desculpas.

Kate me encarava com olhos arregalados e boca aberta. Era estranho ver como ela ficava mais parecida comigo a cada dia que passava.

Alguns anos atrás as pessoas brincavam ao perguntar se nós éramos todos gêmeos. Meu coração aperta ao pensar nisso.

- Onde está minha mãe? - perguntei tentando afastar aquelas lembranças.

- Ela foi ao mercado.

- Por isso ele está no portão igual um cão de guarda. - me referi ao meu pai.

Peguei o controle da televisão e comecei a procurar alguma coisa para ver. Kate permanecia parada me olhando como se eu tivesse voltado dos mortos.

- Como ele te deixou entrar aqui com essa roupa? - minha irmã perguntou.

- Por que tá todo mundo de boca aberta com o que eu to usando? - avaliei minha camisa azul amarrada no quadril, meu short branco rasgado e meu vans vermelho. Não tinha nada demais.

- Você não tinha essas roupas quando morava aqui - Kate constatou me olhando de cima a baixo - Você tá quase mostrando a calcinha.

Olhei novamente para minhas roupas e comecei a rir lembrando das roupas largas e camisetas furadas que eu usava. É, esse definitivamente não era o meu estilo. Kate começou a rir comigo. 

Meu pai passou pela porta da sala e nos calamos no mesmo instante.

- Sua mãe vai demorar então podem começar a fazer o almoço.

Minha irmã já estava se levantando para ir até a cozinha, quando eu a segurei pelo braço.

- Eu adoraria pagar de empregada, mas eu e a Kate vamos almoçar na casa do vovô.

Geraldo me olhou como se pudesse soltar larva pelos olhos e meu coração começou a pular no peito, saí carregando minha irmã pelo braço antes que ele de fato nos queimasse vivas.

- Você só pode estar querendo morrer. - Kate falou séria.

- Na verdade, eu to querendo comer!

***

Passar o dia e um pedaço da noite ao lado do meu avô me fez ver quanta saudade eu sentia daquela casa, quanto eu estava perdendo por estar longe.

- Tita - meu coração encolheu ao ouvir Kate falando meu apelido de infância. - ele vai brigar com você, brigar feio.

Era incrível como meu pai conseguia assustar as pessoas.

- Eu tenho costas quentes. - e bem marcadas, eu quis dizer. Mas ela não precisava saber disso, ninguém precisava.

Antes de entrar em casa já podíamos ouvir os gritos dos nossos pais. O relógio marcava 21h e Kate se apressou em abrir a porta com suas chaves.

- É uma vagabunda... - eu ouvi a voz do meu pai falar. E nem precisava ser um gênio para saber de quem ele estava falando.

Kate parecia ter seu próprio ritual para dias como aquele e estava trancada em seu quarto 5 minutos depois de termos entrado em casa.

Minha mãe estava parada ao lado do meu pai, ele sentado no sofá tomando o que não seria sua primeira cerveja. Era de se esperar que eu recebesse pelo menos um abraço da minha mãe, mas isso não aconteceu.

Ela apenas me olhou de rabo de olho, fazendo uma inspeção em mim e parando nas minhas roupas com desaprovação.

Tópico.

- Oi mãe. - tentei falar engolindo o nó na garganta.

- Tem comida no microondas. - foi tudo o que recebi como resposta.

Eu sabia que se permanecesse ali acabaria enlouquecendo. Então fiz o melhor que pude e fui me arrumar. Eu não ficaria naquela casa, de jeito nenhum.

Não foi preciso que eu me esforçasse para achar a roupa certa. Depois de tomar banho coloquei um vestido preto por cima da lingerie da mesma cor e separei uma sandália que eu nem sabia ter deixado para trás quando fui embora. A maquiagem estava pronta em menos de 10 minutos.

Antes de sair eu precisava dar uma olhada na minha irmã para saber se ela estava bem. Mesmo que isso me doesse. Bati na porta três vezes antes dela abir.

- Ei, pirralha. Eu tô saindo, viu? Qualquer  coisa é só ligar para o meu celular. - Kate arregalou os olhos e eu senti o seu medo. Medo de ficar sozinha, do que poderia acontecer comigo.

Eu poderia ter ficado lá com ela, mas eu sou egoísta.

- Você vai voltar para cá amanhã? - ela perguntou com aqueles olhinhos iguais aos meus brilhando.

- Claro que vou, só não me espere acordada. - respondi bagunçando seu cabelo.

Quando estava quase alcançando a porta para fugir dali, uma voz me fez congelar.

- Não estava demorando muito para mostrar as garras. Já vai sair para vagabundagem? - era a minha mãe, que a pouco tempo estava levando esculacho do marido, agora fazia igual a ele.

Respirei fundo.

- Eu não vou ficar aqui vendo ele te tratar feito lixo e você baixar a cabeça. Nós duas sabemos que tipo de mãe você é. - respirei fundo mais uma vez. - Mas a Kate não merece passar por isso. Se eu sonhar que ele encostou um dedo nela, eu volto só para quebrá-lo inteiro.

Eu não conseguiria passar nem mais um segundo ali. Procurei meu batom vermelho na bolsa e fui em direção ao carro.

Depois de ficar com os lábios vermelhos as coisas tendiam a melhorar para mim. Essa era definitivamente a minha cor.

Red Lips (Em pausa)Onde histórias criam vida. Descubra agora