HERDEIROS DO ALVORECER - V

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Nós estávamos quase prontos para sair, e ainda eram 6h45 da manhã. O horário combinado fora intuitivo, mas talvez nós estivéssemos marcados demais pelas sete horas após o encontro da noite anterior.

Por falar em encontro, era praticamente impossível acreditar que tudo aquilo foi real. Eu tinha mais facilidade em imaginar que toda aquela loucura fora um sonho, ou um pesadelo, e que eu despertaria novamente em minha cama, afogado nos beijos da minha esposa, amarrotado pelo abraço fervoroso de minha filha, mas não foi isso o que aconteceu.

Eu acordei com as reclamações incessantes de Hector, o que fez com que eu me lembrasse que a minha filha e a minha esposa, naquele lugar, eram a família de Jake.

—Na única floresta de Wyrestown, que porra de lugar é esse? Nem tem floresta nessa cidade de merda! Aquele cara com olhos de relógio é um canalha mentiroso, isso sim!

—Eu não diria isso, se fosse você.

A voz de Cigano nos pegou de surpresa. Ele estava ali, encostado na janela do quarto, por onde podíamos ver a rua através do primeiro andar daquele pequeno hotel. Apoiado no parapeito, fumava um cigarro escuro e amassado, soprando a fumaça densa para cima, na forma de argolas enuviadas.

—Legal, claro. Eu poderia estar ali, cagando na porra do banheiro, e esse cara aparecer para trocar uma ideia. Legal mesmo.

—É certo que eu não me submeteria a tal ato nauseante, meu caro.

—Tá, então engole a sua formalidade e deixa eu trocar de roupa. Aliás, se quiser levar aquela vadiazinha sem olhos embora, seria muito bom.

—Infelizmente, não há o que possa fazer por vocês. Mas posso lhes indicar um caminho, se necessário for.

—Opa, isso seria ótimo! Vai mandar a gente pra onde agora? Pra estrada de tijolos amarelos? Para o labirinto da rainha de copas? Que tal para a casa do caralho?

—Hector.

Eu tentei acalmá-lo, mas ele apenas bufou, voltando a arrumar suas malas.

—O que você quer aqui?

—Ajudar, nada mais. Pretendem visitar os herdeiros, se bem entendi, mas sequer sabem por onde começar a procurá-los. Sete Horas não lhes disse o que fazer. É de seu feitio agir assim.

—Velhos conhecidos?

—Diria que temos uma mínima rivalidade. Mas a existência de um sequer importa ao outro, na verdade. Ele tem suas metas, e eu, as minhas.

—Tanto faz. Onde encontramos a única floresta de Wyrestown? Porque, até onde eu sei, não existe floresta nenhuma aqui.

A voz de Hector veio de maneira irônica do banheiro:

—É que a gente ainda não procurou com os ursinhos carinhosos, cara!

O Cigano achou graça.

—Subterrâneo.

—Como?

—A floresta fica no subterrâneo. Procurem nos esgotos. Vão encontrá-la quando for a hora, se assim os herdeiros desejarem.

Lucius interferiu:

—Então são eles quem vão nos encontrar?

—Talvez. Eles são mais do que vocês. Mais do que eu, mais do que Sete Horas. Eles existem.

—E não vivem, tá, já escutamos essa história antes. Se é isso o que tinha para dizer, ajudou bastante. Agora é nossa vez de perguntar.

Eu me assustei com o modo como Lucius falava. Antes que Cigano pudesse retrucar algo, o professor continuou:

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