[NEW] UM OUTRO MESMO LUGAR - 1

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Naquela época, eu tinha vinte e seis anos e uma vida toda pela frente.

Ao menos era o que pensava.

—Papai!

Aquela não foi a primeira palavra dita por minha filha, infelizmente. Madeleine chamou pela mãe, como as filhas sempre chamam. Eu tinha apostado e, consequentemente, tive de oferecer uma viagem à Marrie Fulcanelli, minha esposa. Não era bem um prêmio perdido, mas enfim, eu tinha de fingir estar triste.

Na realidade, eu era um adolescente no corpo de um velho. Ou talvez fosse o contrário, um ranzinza no corpo de um jovem. Trabalhando na agência bancária há tanto tempo, não sabia mais dizer se fazia aquilo por gosto ou necessidade. Eu apenas fazia. Tinha de ser feito. Pessoas dependiam de mim, e aquela era uma desculpa agradável para se utilizar.

—Senhor Victor.

Era um sussurro. Eu me virei, encontrei o rosto tranquilo de minha secretária. Naqueles dias, todo mundo sussurrava, pois não havia voz em nossas gargantas. No lugar desta, havia medo. Um medo peculiar, incômodo, o pior medo que o ser humano pode ter: medo do desconhecido.

Medo de desaparecer.

Os desaparecimentos eram constantes. Um homem sumiu sem deixar vestígios. Depois dele, uma mulher, então uma criança. Casos isolados, era o que parecia. Mas, nos últimos meses, as coisas pioraram. Uma pessoa desaparecia por semana, e esses eram somente os casos registrados. Em rumores, encontrávamos tantas outras vítimas quanto era possível contar nos dedos, muitas delas desaparecendo no mesmo dia. E era somente isso: sumiço. Sequestros, acreditava a polícia, mas nunca houve uma ligação. As pessoas sumiam do nada, sem contato para fiança, sem ligações para ameaçar familiares, sem nada. Os corpos não eram encontrados, não havia contato, não havia pistas.

Era como se deixassem de existir.

—Pois não?

—O senhor já organizou as ações?

Engoli em seco. Eu havia me esquecido completamente das ações.

—Sim, claro —menti. —Eu jamais me esqueceria de algo tão importante assim.

Ela sorriu e voltou a seus afazeres. Era uma boa mulher, e inteligente. Certamente sabia que eu não tinha feito metade do que deveria fazer naquele dia, mas eu tinha meus motivos para isso.

Talvez não fossem justos, mas eram meus motivos, e eu os deveria julgar. Ninguém mais.

—Vou pegar um café para o senhor.

—Agradeço, mas deixo para uma próxima ocasião. Cafeína me mantém acordado por muito tempo e eu preciso dormir cedo nesta noite.

—Compromissos para o dia de amanhã?

—Nada de mais. Vou passear com minha filha.

—Ora, isso é bastante de mais. Como está Madeleine?

—Crescendo cada vez mais.

Essa era uma das maiores verdades da minha vida. Madeleine crescia, crescia mesmo. Isso, para mim, era um orgulho sem tamanho, mas também me machucava. Ao vê-la crescer, aprender a falar e a caminhar com as pernas retas, sabia que, no fundo, eu estava ficando velho.

Era cada vez menos jovem e mais pai.

A conversa durou pouco mais de dez minutos e então me afastei, ajeitando o terno para levar alguns documentos numa empresa próxima. Ali, na cidade de Wyrestown, tínhamos uma movimentação diferente do restante do Maine. As coisas funcionavam num dia e eram esquecidas no outro, para então ressuscitar das cinzas quando se tornassem inoportunas o suficiente.

Estranhos no EspelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora