- Eu já gostei de outro garoto. - Confessou Johnnie, enquanto comíamos biscoitos recheados e esperávamos a chuva passar em seu apartamento - Ano passado. Foi mais aquele tipo de amor de criança... Cego...
- E como você nunca me contou isso? - A ideia não me incomodava, por incrível que pareça. Qualquer pessoa que o Johnnie gostasse, só poderia ser alguém bom.
- Não foi nada sério. Ficamos umas três vezes e depois ele me deu um pé na bunda. Viu? Eu já tive um coração partido. - Ele observou minha reação por alguns segundos - Lucas, é o nome dele.
Peguei um bloco de notas imaginário e risquei com uma caneta imaginária.
- Anotado na lista negra.
E foi justamente na fração de segundos na qual ele riu e eu me debrucei sob a mesa e colei meus lábios nos dele, separando rapidamente, que a porta do apartamento se abriu, dando ao pai de John uma visão privilegiada do meu rosto a meio palmo do dele. No susto, me afastei de repente. Ninguém falou nada.
Por fim, John levantou.
- Pai, esse é o Renato. Meu amigo que te falei.
Provavelmente, o pai de John percebeu o que acontecia ali. Mas pareceu muito educado para apontar logo de cara. Sorriu e apertou minha mão, com um "muito prazer" um tanto quanto sem graça.
- John, então amanhã terminamos esse trabalho de vez, ok? - Eu disse, a desculpa mais esfarrapada que consegui pensar - Agora eu já vou indo.
E quando andava a passos rápidos em direção a porta, o pai de John me pegou de surpresa.
- Não vai levar seus livros? Ou veio fazer trabalho sem livros?
O silêncio reinou mais uma vez. Um curto e constrangedor espaço de tempo.
- Fizemos no meu! - Disse John, em meu socorro - Até amanhã, Renato.
Quando finalmente consegui sair do prédio, meu coração pulava. Eu tinha certeza que o pai de John tinha deduzido algo e, pelo que ele me contara da personalidade do pai, não deixaria aquilo barato. Infelizmente, meu medo me tornava irracional, e a única coisa em que eu pensava era em chegar em casa o mais rápido que conseguisse.
A passos largos, percorri o tradicional caminho até minha casa em metade do tempo em que estava habituado. Exaurido, me joguei na minha cama, temendo por notícias.
Não demorou muito mais que quinze minutos até que meu celular emitiu o já conhecido toque polifônico. Em uma frase, escrita em letras pixealizadas, vi meu medo se tornar real e pesar como chumbo em minha barriga.
"Ele sabe. Não está nada feliz."
Com dois cliques rápidos no botão de discagem e um coração acelerado, coloquei o telefone no ouvido. Depois de um curto toque, uma voz desnecessariamente acelerada anunciou a caixa postal. Desliguei rapidamente. Outra mensagem:
"Está tudo bem, só não posso falar agora. Amanhã te conto. Fique bem."
É claro que eu não poderia ficar bem, quem ele esperava que eu fosse? Um coração de gelo alheio ao mundo?
Joguei meu celular de lado e senti uma longa sensação de impotência tomar conta de mim. Eu estava preso ali, podendo somente esperar notícias. Ouvia meus pais caminharem e andando pela casa e me perguntei se seria uma boa ideia pedir conselhos á eles. Sem saber exatamente o que esperar, eu os tinha mantido longe de todos os acontecimentos recentes com John. Eles não me tratavam diferente, e tão pouco a Johnnie. Na verdade, o tratavam até melhor agora. Acho que em uma tentativa oculta de mostrar que estávamos seguros na minha casa.
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O Garoto da Livraria
RomanceEu sempre me perguntei como seria escrever sobre aquele curto espaço de tempo entre janeiro e dezembro de 2011. O ano em que tudo aconteceu. Quando algo é extremamente importante para a gente, simplesmente não sabemos contar. Não sabemos falar sobre...