- Que tipo de pessoa consegue tirar 9,5 em química e 3,0 em física?
John estava indignado. Embolou a prova de física recém-entregue e jogou no fundo da mochila.
- O tipo de pessoa que não tem grande futuro pela frente - Disse Diógenes, admirando a própria nota. Depois estendeu as duas provas (física e química) ambas, milagrosamente, com valores acima de 90% - Já eu, por minha vez, tenho um futuro extremamente promissor.
- A Marcela está passando cola pra ele - Sentenciei, escondendo vergonhosamente minha própria nota - É a única explicação plausível.
Marcela me encarou com espanto, expressão que eu já esperava. Eu sabia de seu lema moral de "nunca, jamais, em hipótese nenhuma, nem sobre ameaça física, passar cola".
- Para sua informação... - Ela disse aos cochichos. O professor já havia chamado nossa atenção - Dio tem estudado bastante, e conseguiu essa nota por mérito próprio. Ao contrário de vocês dois.
Seu dedo apontava ameaçadoramente para John e eu, mas alguma coisa no ar de Marcela não deixava que eu a levasse tão a sério quanto ela queria. Talvez fossem os olhos, que brilhavam tanto quanto possível quando se encontravam com os meus.
Dio e Marcela se voltaram para a aula, enquanto John se debruçou na própria carteira, de maneira que sua boca ficasse o mais próximo possível do meu ouvido direito, e eu pudesse ouvir qualquer cochicho.
- Que tal eu ir na sua casa hoje? Pra gente estudar física... temos que recuperar esta nota o mais rápido possível.
Eu concordei com a cabeça, enquanto sentia todo o meu corpo se arrepiar.
Com todos os materiais de física necessários na mochila e com um breve telefonema para seu pai, Johnnie optou por ir direto até minha casa.
Depois de um breve almoço, que já havia sido deixado preparado por minha mãe, subimos até meu quarto onde esparramamos todos os materiais necessários em cima de minha cama. John ficou alguns segundos admirando o próprio desenho centralizado na parede em cima da cabeceira da cama, e eu imaginei que estivesse pensando o mesmo que eu: Ali, em uma parede completamente vazia, o desenho parecia se sentir sozinho e perdia boa parte de sua beleza. Eu já havia me dado conta daquilo, mas aquele foi o lugar mais próximo de mim que encontrei para ele ficar. Nos sentamos cada um em um canto de minha cama e nos pomos a estudar. Como era de se prever, o estudo não durou lá muito tempo. Em menos de meia hora nossa atenção já tinha se dispersado por completo e nos preocupávamos com coisas mais importantes.
- Isso... Isso é... - John olhava paralisado para o alto da minha estante - Um Super Nintendo?
Segui seu olhar. Lá estava meu velho Super Nintendo com uma camada de dois centímetros de poeira e um cartucho de Super Mario World ainda engatado.
- É sim. Até tinha me esquecido que estava alí... - Disse, rindo-me da expressão estampada no rosto de John.
- E... funciona? - Ele sussurrou a pergunta, como se a simples ideia fosse tão absurda e herética que inquisidores medievais adentrariam o quarto com tochas e nós de forcas nas mãos se a ouvissem.
Dei de ombros.
- Só tem um jeito de descobrir.
Os olhos dele brilharam. Nossa tarde de estudos se evaporou perante a um universo de nostalgia. Mario, Donkey Kong, Simba e Alladin se mostravam bem mais interessantes que vetores e potências.
Depois de duas horas de jogatina, paramos para um lanche. John se sentou na mesa e batucou os dedos ritmicamente enquanto eu pegava leite, toddy e pães.
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O Garoto da Livraria
RomansaEu sempre me perguntei como seria escrever sobre aquele curto espaço de tempo entre janeiro e dezembro de 2011. O ano em que tudo aconteceu. Quando algo é extremamente importante para a gente, simplesmente não sabemos contar. Não sabemos falar sobre...