E foi em uma das viagens de negócios do pai de Diógenes que Marcela e eu fomos para sua casa as 21:00, munidos de comida e duas garrafas de vinho.
- Eu conheci um garoto - Desabafou Marcela, quando já nos sentávamos à mesa servidos e famintos.
- Quem? - Eu perguntei.
- Onde? - Perguntou Dío.
Bombardeada pelas perguntas, Marcela pegou um punhado de batatas fritas e mastigou lentamente antes de responder.
- O nome dele é Luis Fernando e faz o mesmo cursinho de inglês que eu. Ele é legal e acho que está dando em cima de mim.
- Como assim, acha que ele está dando em cima de você? - Começou Diógenes, enquanto me puxava da minha cadeira para sentar no colo dele. Devido a vantagem de 30 cm de altura que ele tinha sobre mim, a posição até que era confortável - Garotos são bem explícitos quando querem dar em cima de alguém.
- Ah são, é? - Perguntei e ele concordou com a cabeça - Você não pareceu muito explícito. Entrando em uma sala de aula lotada com um violão.
Marcela revirou os olhos.
- O fato é que ele é super gentil comigo. Sentou na cadeira do meu lado no segundo dia de aula e... - Ela hesitou - Me convidou para sair.
- Pra onde? - Perguntei.
- Quando? - Perguntou Diógenes.
- Cinema. Na sexta que vem.
Torci a cara. O cinema de nossa cidade era uma currutela que mantinha as mesmas instalações desde os anos 60. Sendo o único cinema - E quase-único meio de lazer - cobrava preços abusivos e ficava em uma rua isolada onde qualquer pessoa estava sujeito a um assalto. De todo modo, para o tamanho reduzido de minha cidade, o índice de criminalidade era assustadoramente alto em qualquer lugar.
- Cinema por aqui não significa algo romântico. - Eu disse, tentando ser sincero e delicado.
- Mas É UM ENCONTRO! - Diógenes exclamou, com uma animação genuína. A própria Marcela não parecia tão animada - Daqui a uns dias poderemos fazer programas de casais
Marcela levantou uma única sobrancelha.
- Não apressa as coisas, garoto.
- Só traz pra gente aprovar antes. E esteja em casa até as onze e meia! - Conclui.
Depois de um tempo em que conversamos assuntos menos importantes, Dío nos levou até a sala de TV afim de escolhermos algum filme na imensa coleção de DVDS. Marcela disse que tinha que ir embora, já que nos aproximávamos da meia noite. Não reclamei. Seria muito melhor ver o filme sozinho com Diógenes. Marcela mal saiu pela porta e Dío já me arrastou para o sofá, onde trocamos beijos cada vez mais intensos por aproximadamente uma meia hora.
- Eu escolho o filme - Ele disse, se levantando com certa relutância do sofá.
O filme que ele escolheu era antigo, e tinha capa de água-com-açúcar. Não me importei. Se tinha um lugar em que eu queria ver um filme água-com-açúcar era ali, com Diógenes. "Antes do Amanhecer".
A medida que o filme se desenvolvia, eu me encontrava mais envolto nos braços de Dío, sentindo seu perfume me confortar e sua respiração sob minhas mãos, apoiadas em seu peito. Eu estava feliz e seguro ali, e tive certeza do que queria fazer.
Eu o beijei e ele me beijou de volta.
Eu o ouvi sussurrar que me amava.
Com cuidado e carinho, ele me levou para o seu quarto.
No outro dia, acordei ainda cansado, envolto nas cobertas da cama de Diógenes. Ele não estava mais lá, o que me deu certo tempo para pensar. Pensar no quão perfeita tinha sido a noite anterior e que finalmente entendi porque chamavam aquilo de "amor".
Enquanto fitava o teto, me perguntando onde estavam minhas roupas (Acho que na sala. Ou na cozinha. Talvez no jardim.) ouvi passos no corredor. Por um pequeno momento, me preocupei que os pais de Dío tivessem chegado mais cedo, mas logo vi Diógenes entrar pela porta, com uma bandeja nas mãos. Parado ali, daquele jeito, ele me fazia lembrar o mais clichês dos filmes americanos.
- Eu estava enganado - Disse, olhando para a cueca que ele usava: A samba canção de estrelas sorridentes - É até que bem sexy.
Ele riu.
Tomamos café juntos, na cama, e depois tomamos um banho. Quando eu finalmente estava pronto para ir embora, tracei todo o caminho até minha casa agradecendo mentalmente a sorte que tinha.
Na sexta seguinte, fomos para a casa de Marcela, onde a ajudamos a se arrumar. O garoto foi bem pontual ao busca-la às oito e fiquei feliz em constatar que era até bonitinho. Marcela, pela primeira vez, parecia animada com a ideia de ter um encontro e eu me sentia feliz por isso. De certo modo, me sentia responsável pela sua solidão.
Já eram quase uma da manhã quando meu celular tocou, na mesa de cabeceira da minha cama.
- Alô... - Falei, sonolento.
- Ele beija muito bem! - Era Marcela, e sua voz soava desperta e animada.
Bocejei e consultei o relógio.
- Essa informação é tão importante que não pode esperar até amanhã?
- Vai se foder, Renato! - Sua voz expressava falsa-raiva - Eu tinha que compartilhar isso com alguém.
- Fico lisonjeado que tenha me escolhido. Agora, se não se incomoda, vou voltar a dormir. Beijos.
E dormi. Dormi até as 5:30 do dia seguinte, quando Diógenes me acordou para vermos o nascer do sol juntos, na árvore das luzes. Aquilo havia se tornado um hábito esporádico de grande valor sentimental.
Naquele sábado, Dío foi jantar na minha casa, e comuniquei a ele e meus pais que deixaria o trabalho voluntário no Coffecult. Queria o máximo de tempo possível com meus amigos e família.
No feriado de 07 de setembro, Diógenes, eu, Marcela e Luís Fernando fomos para a casa dos avós de Marcela, em um sítio perto da cidade. Como o feriado coincidia com o meio da semana, nos sentimos no direito de nos dar uma folga de dois dias extras.
Os avós de Marcela nos receberam super bem, e passar um tempo fora da cidade é sempre bom para arejar a mente. Em respeito aos anfitriões, Dío e eu mantemos certa distância e segredo sobre nossa relação, o que foi inédito e até instigante, dando uma sensação de "proibido" que apimentava cada um de nossos momentos a sós.
De noite, quando acendemos uma pequena fogueira no quintal e jogamos e cantamos, Marcela e Luis assumiram publicamente o namoro. Fiquei feliz, pois o garoto era realmente boa pessoa e parecia fazer de tudo para agradar tanto Marcela quanto os melhores amigos.
No sábado a noite, quando a vida no campo começava a enjoar, Diógenes se deitou ao meu lado na grama. No escuro e a certa distância da casa, me permiti abraça-lo.
- Promete que vai estar comigo pra sempre? - Perguntei, encarando as estrelas. Mesmo sem ver seu rosto, senti que ele sorriu.
- Prometo. Eu não vou te deixar nem se você quiser. Renato Oliveira, sinto te contar, mas você é só meu.
Ele pontuou a frase me abraçando forte. Estava frio, mas eu não me importava. Era o lugar perfeito para se estar com meu amor.
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O Garoto da Livraria
RomanceEu sempre me perguntei como seria escrever sobre aquele curto espaço de tempo entre janeiro e dezembro de 2011. O ano em que tudo aconteceu. Quando algo é extremamente importante para a gente, simplesmente não sabemos contar. Não sabemos falar sobre...