Em primeiro, sempre janeiro

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Passei o réveillon com meus pais. Bem, não se pode dizer que "passei o réveillon" porque basicamente ficamos sentados na sala de casa assistindo a especiais de fim de ano até que a queima de fogos da cidade estourou. Fomos para a varanda, ficamos quinze minutos olhando para o céu, e depois que o último rabo de estrela se apagou no céu, nos demos boa noite e fomos dormir (eles foram dormir porque eu, através da minha adolescência ociosa, cultivara hábitos vampirescos que me mantinham acordados até às 3 da manhã).

Na segunda-feira após o réveillon o dia amanheceu choroso, mas o vento frio e as nuvens cinzentas só me incentivaram ainda mais para o cronograma que tinha planejado. Às nove da manhã, saí de casa e caminhei até o centro da cidade.

Apesar do porte pequeno de minha cidade, um pequeno detalhe a faz perfeita para mim: O Coffecult. Localizado em um antigo palacete e patrimônio histórico da cidade, tinha uma ótima localização na praça principal. O palacete de dois andares era um resquício da antiga história do município. Com suas cores austeras e recentemente restauradas, deixava claro que datava dos anos 20, onde a cafeicultura cresceu os olhos de ricos Barões do Café para nosso recanto isolado do interior. Hoje, subindo as escadas desenhadas do Coffecult, chegamos a um segundo andar que se faz digno o nome. Com um aroma de café impregnado pelo ar, o chão de madeira corrida que antigamente teria sido uma das mais luxuosas salas de estar da colônia está repleto de pequenas mesas de vidro, para duas ou quatro pessoas. No centro, um balcão rústico dá suporte a estufas com belos pedaços de tortas e máquinas de café expresso. Na parede dos fundos pode-se notar os três portais que dão entrada a três enormes aposentos, que foram reformados para abrigar uma enorme coleção de livros de todos os gêneros que poderiam ser comprados ou lidos no interior do estabelecimento. O segundo andar ainda era composto por uma enorme sacada com mesas idênticas às da parte interna: Uma área perfeita aos fumantes. No piso inferior, ao qual se tem acesso por uma escada de caracol ao lado do balcão, ficam os livros infantis, com um lugar totalmente adaptado aos pequenos. Todos os dias, voluntários fazem leituras de clássicos infantis para as crianças nesse espaço.

Do lado do Coffecult, ainda temos A Garagem: O complexo da casa que tinha sido adaptado de maneira a suportar pequenos shows, com as portas abertas e mesas espalhadas especialmente para os eventos por todo o jardim do palacete.

Tal investimento, em uma cidade tão pequena, era obviamente um prejuízo tremendo, portanto se supunha que o dono do Coffecult fosse um verdadeiro milionário com sede de gastar dinheiro (Sim, se supunha, porque ninguém sabia ao certo quem era o atual proprietário do palacete).

E era exatamente no terceiro degrau da escada deste lugar que eu estava quando uma fina chuva começou a cair. Não me importei muito, já que em geral passo dias inteiros no Coffecult. Entrei, cumprimentei o garçom, e fui direto para a seção de suspense – localizada no segundo quarto, o quarto de ficção.

Raramente eu chegava ao Coffecult com um destino certo. Geralmente, perdia horas inteiras passeando pelas prateleiras e sempre gostava de chegar cedo para que estivesse sozinho nas salas. Especialmente hoje, dia 03 de janeiro, eu tinha um objetivo certo e não estava sozinho ali. A uns dois dias atrás tinha lido na internet a resenha de um livro: "Carrie, a estranha", de Stephen King. Já conhecia o autor desde que havia lido "O Iluminado" quando tinha uns onze anos e obviamente reconhecia o nome pela famosa adaptação cinematográfica.

O garoto que estava na sala, um pouco mais baixo do que eu e de cabelos escuros, mal se virou quando eu entrei. Obviamente procurava algo insistentemente nas prateleiras da parede a esquerda e eu, que nunca tive por dom a capacidade de sociabilidade, decidi começar a procurar meu Carrie pelo lado oposto da sala.

Corria os dedos pelos livros sem pressa, vez ou outra parando para folhear algum. As caixas de som, espalhadas por todos os ambientes do palacete, emitiram um leve chiar ao se anunciar

O Garoto da LivrariaOnde histórias criam vida. Descubra agora