03. SOUL MEETS BODY

511 28 12
                                    


"So brown eyes, I'll hold you near cause you're the only song I want to hear."

Soul Meets Body – Death Cab for Cutie

__________


— Eu juro, as estrelas estão mortas.

— Não, eu não acredito. Quem disse isso?

— Uma amiga. Mas é verdade.

— Por quê?

— Porque faz sentido que a gente admire o que está morto. O que não possa mais ser alcançado. Como aquele cachorro quente que você não estava nem assim tão afim de comer, mas agora, que tá no chão, parece como uma ceia de natal desperdiçada.

— Você acabou de me falar que as estrelas estão mortas. Não troque de assunto.

— Desculpa, não sabia que isso ia te deixar sentimental. — Eu não queria rir, mas a situação parecia engraçada, no mínimo. O rosto dela contorcido em uma dor genuína, cheio de perguntas, como se fizesse uma anotação mental de tudo que teria que pesquisar quando chegasse em casa. Era estranho, mas a latina realmente ficava bonita assim.

Foi a primeira coisa que reparei nela quando me intrometi na estranha conversa da garota com um grupo de caras na frente do banheiro do bar: o quanto o seu rosto parecia bem desenhado. Seus traços eram simples, poderosos. Sua óbvia descendência latina e o perfume – que só podia ser minha imaginação, porque era impossível sentir o cheiro de outra coisa ali dentro que não de cigarros, álcool e fritura -, lembrava vagamente o cheiro das plantas da sacada lá de casa na primavera.

— Obrigada por me salvar. – a menina, que eu ainda não sabia o nome disse, feliz. Ela parecia confortável me olhando, sentada ali do outro lado da mesa. Talvez fosse o ambiente com detalhes de madeira e bandeiras irlandesas e seu teto baixo e aconchegante, ou talvez fosse por não estar mais rodeada de universitários bêbados. Talvez fosse por mim.

— Não tem problema. Eu odeio quando eles me cercam também.

— Você não gosta da atenção dos homens? - a voz dela era divertida, quase como um desafio. Seus olhos brincavam com o sorriso e seu cabelo caía de maneira tão leve pelos seus ombros que eu duvido que ela tenha mais que 22 anos. Duvido que ela seja americana também. Eu conhecia americanos. Conhecia NY. Ela não era dali.

— Eu não gosto de homens, ponto. — Era estranho ter que fazer esse comentário, sendo que há anos não conhecia pessoas diferentes do que as que já sabiam praticamente tudo sobre mim. Também não tinha muito interesse em qualquer coisa além do meu estúdio. Dois anos que me tranquei lá, aqui, nessa vida entre o bar e a casa, que ficavam todos na mesma rua. NY era grande demais e eu era só garota que também queria estar confortável em sentar do outro lado da mesa.

— Não? Nenhum?

— Bem, tem o meu pai. E o meu irmão. Gosto deles de vez em quando. Mas não, tirando eles, nenhum homem.

— Isso soa um tanto quanto drástico. — A garota do cachecol laranja continuava me olhando como se eu fosse tudo que ela esperava encontrar aquela noite. Sua expressão transbordava expectativa, totalmente de acordo que as coisas estivessem se encaminhando daquela forma.

— Você gosta de homens, no entanto, imagino. — Alguma coisa nela me fazia querer sorrir quando ela sorria. Mexi minhas mãos inquietas pela mesa, bebericando a cerveja quente e verificando cada uma das suas atitudes, como se pudesse a ler melhor. Quando você passa tempo demais entre uma tela e um pincel as coisas passam a acontecer em quadros congelados. É como quando você aprende a ler e de repente cada placa de trânsito se torna indispensável, o que faz seu cérebro se sobrecarregar e seus olhos arderem.

madness [one-shots]Where stories live. Discover now