06. GRÃO DE AMOR

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"É só você que vem
No meu cantar meu bem
É só pensar que vem"

Grão de Amor - Arnaldo Antunes

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— Ele vai pedir para você comer alguns cookies, mas você não aceita. Ele cozinhou na semana passada e ainda tenta passar para as pessoas.

— Ele cozinha?! — Minha voz saiu sem fôlego por culpa dos degraus. Uma criança de sete anos não deveria fazer desenhos em palitos e gostar de carrinhos de plástico? Talvez eu devesse ter pesquisado mais sobre crianças de 2016 antes de vir aqui. O Kevin tem a mesma idade e definitivamente nunca o vi mexer em algo assim. Ou vi? Eu deveria reparar mais nele e agora vou precisar ligar para minha irmã e ter que explicar porque eu estava curiosa sobre crianças.

— Inventar é mais apropriado do que cozinhar, digamos... Ele fica muito na Ally.

— E por que os cookies tem uma semana?

— Porque são horríveis.

Camila balançou os ombros antes de virarmos em um corredor de luzes automáticas. Minhas contornaram outra vez minha saia e de repente percebi que estava de branco e aquilo ficou muito claro para mim: toda a cor do branco e todo o branco que havia na minha roupa e nas paredes e na decoração do meu apartamento de solteira. Será que Caio gosta de todas as cores ou será que ele tem algum alergia caleidoscópica sobre a recepção de energia através de cristais?

De qualquer forma, não sei possível (àquela altura) trocar minha roupa. Tampouco meu apartamento. Paramos em frente à uma porta de madeira escura com o número 42 marcado. O tapete da frente tinha um desenho do Darth Vader e pensei na roupa que Luke vestia em Nova Esperança, o que me deixou um pouco mais calma.

— Eu me dou bem com crianças. — Não sei se estava falando para mim ou para ela.

— Lo, segura minha mão.

— A gente vai entrar de mãos dadas? — Definitivamente não era para soar tão desesperado, mas isso só fez Camila sorrir e balançar as palmas da mão em minha frente.

— Não, ainda não. Segura aqui, vamos.

Minha namorada entrelaçou nossos dedos e acariciou minha pele por cima dos anéis com o polegar. Fiquei observando suas unhas de tinta gasta por um tempo até respirar fundo e me virar para os olhos em minha frente. Tão escuros e bonitos.

— Eu sei.

— Sabe?

— Sim, eu sei, Camz. Mas eu tô nervosa.

— E por que?

— Por todos os motivos óbvios, eu acho. Não sei. Por algo. — Rimos juntas e deixei que Camila se aproximasse um pouco para roçar seu nariz pelo meu rosto. Era uma mania estranha dela, como se reconhecesse meus traços como um filhotinho de cachorro. Ela fez isso desde a primeira noite que ficamos juntas.

— Caio é bastante inofensivo, Lo.

— Não é por isso. É que... Eu nunca passei dessa fase.

— Qual fase?

— De conhecer alguém. Eu sempre fico na primeira parte, sabe? Quando a gente desliga o telefone, finge que não conhece no supermercado...

— Eu sabia que era você na frente da prateleira de bolachas! — Camila arregalou um pouco os olhos e riu. Seu beliscão apertou minha barriga.

Ai! Mas liguei de novo depois!

— Agora tanto faz, quebrou a magia. — Ela contornou seus dedos por minha corrente de prata e a arrumou em mim, da minha nuca até meus seios. Seus dedos e olhos ficaram olhando para a letra H em meu peito, mas seus lábios me seguiam e ela deixou um beijo curto no meu rosto.

madness [one-shots]Where stories live. Discover now