Capítulo 5 - Aula de inglês

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 Em 2012

Na segunda-feira, Patrick, dessa vez vestido de farda, estava lá, sentado nas cadeiras de trás. Quando eu cheguei, ele acenou com a cabeça. Li nos seus lábios um "senta aqui" que ele disse, com a voz perdida no meio daquele barulho de conversas, apontando para a cadeira vazia ao seu lado. Sentei e disse:

— Boa tarde, Patrick.
— Boa tarde, Lucas.
— Lucas? É Luís.
— Luís? Jurei ter ouvido Lucas naquele dia.
— É, o som tava bem alto quando eu disse.
— Mas então, Luís. Hoje a gente vai poder conversar sem perdemos pontos?
— Os professores de hoje são maravilhosos — parei. — Ei, e sobre a professora Rejane... — James, o professor, entrou na sala, agitado como sempre e fez piada com o clima frio em Recife.
— Ele é professor de quê?
— Inglês, minha aula favorita.
— Não curto — ele disse, fazendo careta. — Sou bem ruim nisso. Ainda sei alguma coisa de espanhol, mas inglês... blé! Você sabe?
— Uhum — fiz que sim com a cabeça.
— Como você aprendeu? — Patrick me perguntou.

Com meu pai morto, mãe muito ausente e irmã que se mudou de casa bem jovem, tive que aprender sozinho boa parte das coisas que sei, mas, de certa forma, tive o apoio da minha mãe no inglês. Quando eu tinha uns dez anos, ela trouxe para casa umas caixas com vários livros que iriam para o lixo — sua patroa estava jogando-os fora e minha mãe quis. Haviam livros de vários tipos: geografia, história, português e, em sua maioria, inglês. Veio livro de economia, só que inglês. Até uma bíblia em inglês havia dentro da caixa. Enquanto mais da metade do mundo já tinha televisão, nós ainda não tínhamos. E para compensar essa falta, eu lia.

Ler foi o que me acalmou e fez o meu tempo passar mais rápido. Me dediquei aos livros que recebi e quando tive uma certa base, saí por aí falando inglês, sempre meio tímido. Recife é cheio de pontos turísticos e não raramente se encontra pessoas batendo papo em outros idiomas — principalmente perto da praia, onde eu moro. Participei de um trabalho voluntário que guiava estrangeiros e isso me ajudou a desenvolver melhor.

Em toda sala que ia, eu era o único que falava outro idioma, mas naquele ano havia Valéria, uma garota que ficava calada, assim como eu, mas que se sentia obrigada a responder atividades, quando a pediam. Ela era considerada a melhor aluna.

Eu gostaria de responder todas as perguntas que James fazia, para tirá-lo do vácuo em que ele ficava, mas me continha na minha reclusão e afastamento. Não queria que meus colegas enchessem meu saco me pedindo respostas, assim como faziam com Valéria.

— Sozinho — respondi. — Aprendi a falar inglês só.
— Uau! — ele se espantou. — Sozinho? Tem um nome pra isso... — Patrick fechou os olhos, tentando se lembrar — isso de aprender as coisas por si só...
— Autodidata?
— Esse aí.
— Talvez eu seja um pouco — falei.

— Boa tarde, turma — o professor nos cortou, após arrumar suas coisas.

James estava vibrante naquele dia. Nem se importava com as conversas paralelas. Passou uma atividade para a turma. Eu e o Patrick fizemos dupla e eu o ajudei. Era sobre do e does. Eu o explicava e ele dizia que não entendia. Expliquei umas quatro vezes, de formas diferentes, mas nada. "Ok, eu faço a sua parte", eu disse, "mas não vai se acostumando" e ele abriu um sorrisinho: "pode deixar".

Do nada, perto do fim da atividade, Patrick disse:

— Como ele pode ser um professor de inglês sem a caixinha de som? Achei que cada um deles ganhasse uma na conclusão do curso.

Pus a mão na boca para contar um riso que saiu.

— O que foi? — Patrick me perguntou.

— Espera só pra tu ver.

Terminamos o dever e o professor recolheu as atividades. Mais e mais piadas eram ditas por James. Não sabia se ria porque gostava dele ou porque eram engraçadas. Toda a turma o amava.

— Vamos todos para a sala de vídeo — o professor disse, por fim.

Alguns alunos foram se levantando apressadamente.

— Com calma, gente — ele continuou. — Vão pensar que o culpado dessa euforia de vocês sou eu. Não se atropelem.

Eu e Luís fomos os últimos a sair da classe.

Só eu sentia aquele cheiro de chulé forte da sala de vídeo. Os outros sentiam cheiros diferentes que variavam entre mato queimado, animal morto em estrada e ração.

Ao entramos na sala, Patrick soltou um "caramba que cheiro forte de meia podre", e eu fui feliz, pois esse cheiro mais se aproximava do que eu sentia.

James já foi conectando os cabos do notebook ao grande som que havia na única sala à prova de som da escola.

Eu nunca liguei muito para esses momentos da aula do professor James. Em duas segundas do mês, ele levava os alunos para sala de vídeo e colocava músicas que a turma escolhia para que traduzíssemos, mas só eu e Vitória traduzíamos, o resto só se divertia.

Seria Reggae, na segunda retrasada foi Rock.

Eu me encontrava animado, pois chutava que Patrick amaria aquilo, vendo o que vi dele na sexta-feira. E acertei. Ele surtou quando viu o professor arriscando uns passinhos de reggae. E a turma cantando junto a música do Bob Marley.

— Então, ele não tem uma caixinha de som — ele falou bem no meu ouvido, enquanto a música "Is this love" tocava —, ele tem uma grande e maneira de caixa de som!

Patrick me contava que adoraria dançar, mas teria que esperar mais um pouco para pegar intimidade com a turma. Ele cantarolava baixinho. Eu gostaria de saber aquela música para cantar com ele.

Naquele dia, assim que as aulas acabaram, Patrick me convidou para visitar sua casa pela primeira vez e eu aceitei o convite, tão prematuro, animado para conhecer o seu pai.

Se cuida, LuísOnde histórias criam vida. Descubra agora