Canto I IGNORÂNCIA E SOFRIMENTO DE ARJUNA

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Fala Krishna:

25. Eis aí reunidos os parentes dos Kurus!

Fala Sanjaya (o narrador):

26. Então viu Arjuna, nos dois exércitos, homens ligados a ele pelos vínculos do sangue: pais, avós,
mestres, primos, filhos, netos, sogros, colegas e outros amigos - todos armados em guerra contra ele:

27. Com o coração dilacerado de dor e profundamente condoído, assim falou ele:

Fala Arjuna:

28. Ó Krishna! Ao reconhecer como meus parentes todos esses homens, que devo matar, sinto os meus
membros paralisados, a língua ressequida no paladar, o coração a tremer e os cabelos eriçados na
cabeça... Falha a força do meu braço... Cai-me por terra o arco que tendera...

29. Mal me tenho em pé... Ardem-me em febre os membros... Confusos estão os meus pensamentos...
A própria vida parece fugir de mim...

30. Nada enxergo diante de mim senão dores e ais... Que bem resultaria daí, ó Keshava (um dos muitos
apelidos de Krishna), se eu trucidasse os meus parentes?

31. Não, Krishna, não quero vencer. Não quero, deste modo, conquistar soberania e glória, riqueza e prazer.

32. Ó Govinda, como poderia semelhante vitória dar-me satisfação? Como me compensariam esses
espólios da perda que sofreria? E que gozo teria ainda a minha vida, se a possuísse pelo preço do
sangue dos únicos que me são caros, e sem os quais a vida me seria sem valor?

33. Avós, pais e filhos, aqui os vejo. Mestres, amigos, cunhados, parentes - não, não os quero matar, ó
Senhor dos mundos! Nem que eles anseiem por derramar o meu sangue.

34. Não os matarei, Madhusudana, ainda que com isto lograsse domínios sobre os três mundos - menos
ainda me seduz a posse da terra.

35. Dores somente me caberiam por semelhante mortandade.

36. Mesmo que os filhos dos Dhritarashtras sejam pecadores, sobre nossa cabeça recairia a culpa, se os
matássemos. Não, não é lícito matá-los. E como poderíamos ser felizes, sem os nossos parentes, ó
Madhava?

37. E se eles, obsedados de cobiça e cólera, não vêem pecado na rebeldia e no sangue derramado,

38. Como poderíamos nós fazer o mesmo, ó Santo? Nós que vemos pecado em matarmos nossos
parentes?

39. Quando uma tribo se corrompe, perece a piedade, e com ela perece o povo - a impiedade é
contagiosa!

40. Corrompe a mulher, mesclando o puro com o impuro, e abre-se o inferno ao destruído e ao
destruidor.

41. Até as divindades, privadas dos sacrifícios, tombam dos céus.

42. E essa mescla de puros com impuros produz a ruína das famílias.

43. E o destino do destruidor é o inferno, consoante as escrituras.

44. Ai, que desgraça seria se trucidássemos nossos parentes, levados pela ambição do poder!

45. Bem melhor seria se nos rendêssemos aos inimigos armados e nos deixássemos matar na luta, sem
armas nem defesa.

Assim dizendo, em pleno campo de batalha, deixou-se Arjuna tombar no assento da carruagem, e das
mãos lhe caíram arco e flechas, porque trazia o coração repleto de amargura.

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