[RALPH]
― Acho melhor você não abrir isso ― Roger falou em tom de desaprovação.
Não me importei, segui em frente enquanto ele voltava os olhos para os relatórios que eu acabara de deixar sobre a mesa. Destampei a caixa e logo me arrependi. A podridão invadiu a sala.
― Que droga! ― resmunguei tapando o nariz ― Que coisa é essa?
― Restos de um corpo em decomposição ― Ele teria falado casualmente se não tivesse de forçar a voz ― Fecha logo isso, Ralph!
Fechei, mas o fedor instalara-se no meu nariz.
― Certo. Então deixe eu reformular a pergunta: o que restos de um corpo em decomposição estão fazendo dentro de uma caixa na sala do delegado?
― Não pudemos levar para o necrotério, está cheio de jornalista por lá ― ele apontou para a caixa ― Encontramos perto da floresta, não queremos alimentar a imprensa com mais uma história. A população já está assustada o suficiente.
― Tem certeza que não é apenas um cachorro?
Roger me lançou um olhar intimidador. Ele era o meu parceiro antes de me afastarem do cargo, ou seja, trabalhamos muito tempo juntos. Era lógico que não era um cachorro, eu havia feito uma pergunta idiota e Roger odiava isso.
― De qualquer maneira, isso não deve ficar aqui ― debelei a pergunta anterior.
― Logo será arquivado ― ele falou com desdém.
― Então já identificaram?
― Não, talvez o identifiquem pela arcada dentária, mas não vamos investigar, levar isso adiante só vai nos atrasar.
― Mas você não acha que isso tem a ver com o caso do louco?
― Por que teria? O corpo já estava lá há tempos, não foi deixado nenhum aviso ou "loucuras" parecidas com os casos das outras vítimas. Também não houve queixas de desaparecimentos nos últimos dias... acredito que fosse apenas um caçador sem sorte.
― Mas o caso de Ingrid Craig também não teve semelhança com os outros ― esperei que concordasse, mas ele não emitiu nenhuma reação. — Então realmente não há nada que a envolva nesse caso?
— Não, pelo que sei. Achamos que pode ser, apenas, um imitador do psicopata. Alguém querendo aparecer — deu de ombros. Estava sentado atrás da mesa, ele adorava bancar o superior, o delegado não se incomodava, raramente ficava em sua sala — Mas estou fora do caso, então...
― O Andrade sabe que não vão investigar? — interrompi, maneando a cabeça para caixa, antes que ele começasse a reclamar por não ter sido designado para a investigação.
― Foi ele mesmo quem mandou arquivar ― Roger me deu um sorriso de escárnio. — Falando nisso, ele mandou chamar você. Está na outra sala com um sujeito que veio de fora.
Olhei-o desconfiado. O delegado Andrade era extremamente perfeccionista em seu trabalho, não costumava deixar algo ser arquivado sem antes verificar todas as possibilidades.
― Olhe, Ralph, você passou muito tempo afastado. As coisas mudaram por aqui, tente apenas acompanhar o ritmo!
Realmente algo estava diferente, eu havia notado isso desde que voltara. Todos ali estavam muito acomodados. Eram preguiçosos ou estavam escondendo algo. Não era novidade policiais terem segredos, aliás segredos fazem parte da natureza humana, mas se estavam escondendo algo de mim, eu precisava descobrir.
― Só espero que tirem isso daqui logo ― disfarcei ― Nossa, isso fede!
― Eu avisei. ― Roger deu de ombros ― A encomenda chegou?
― Está tudo no meu sótão ― Quase me surpreendi com a mudança de assunto.
― Ótimo. Iremos lá quando sua esposa não estiver. Tem certeza que não tem como ela descobrir?
― Coline é curiosa, mas não tem motivos para ir ao sótão.
― Ótimo ― ele gargalhou, sempre achei sua risada exagerada demais ― Senti falta disso enquanto você esteve fora.