Capítulo 18

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   Eu não estava indo para escola, o que tornava os dias maiores. Apesar da escola não me agregar nada que  realmente fosse útil na minha vida em questão de conhecimento, ao menos lá,  eu podia ficar em meio de pessoas normais,  com seus problemas normais e suas frustrações normais. Ao pensar nisso, concluo que soa como uma adolescente que quer parecer diferente, mas na verdade não é bem isso. Eu não queria parecer,  eu me sentia diferente, e isso era assustador, se eu parece para pensar; como estava fazendo olhando o relógio.
  Os pensamentos simplesmente vinham sem nenhuma ligação entre si, fragmentos de qualquer coisa desconexa.
   Naquele instante nada fazia sentido. Não eu, mas tudo à minha volta. Eu não encontrava uma razão sensata para as coisas estarem acontecendo. Talvez, porque não houvesse.
  Fechei os olhos, e naquele instante uma onda de adrenalina passou por todo meu corpo, fazendo meu coração acelerar. Permaneci com meus olhos fechados deixando aquela sensação tomar conta de mim.
  Quando voltei a abri-los, olhei todo meu quarto, e uma vontade maior que eu estaria esperando tomou conta de mim. Eu sentia a necessidade de começar à modificar aquele ambiente. Precisava começar a modificar meu mundo.
  Levantei e comecei à arrastar todos os móveis do lugar. Tirei os lençóis e as fronhas da minha cama e travesseiros e joguei no sexto do banheiro. Retirei todos os livros das prateleiras e coloquei na minha cama, cobrindo-os com um lançou em seguida. O mesmo fiz com meus discos.
  Desci para o quartinho que ficava em baixo das escadas para pegar algumas latas de tinta que minha mãe costumava guardar de quando ela pintava a casa. Além das latas de tinta, peguei rolos, pincéis e uma vasilha para despejar a tinta.
Subi as escadas não me importando com o barulho que estava fazendo. Quando cheguei em meu quarto me deparei com minha mãe parada no batente da porta com uma sobrancelha arqueada. Ao perceber que eu tinha voltado ela se voltou para mim com um ar divertido.
—  Achei que você fosse começar isso amanhã, com seu amigos...
— Ah mãe,  estou sem sono. Pensei que não faria mal ir adiantando as coisas.
  Minha mãe soltou um sorriso, que eu classifiquei como esperançoso.
— Tudo bem. Se precisar da minha ajuda. Sempre fui ótima pintora
— Ok mãe,  se precisar vou correndo te chamar.
Minha mãe me deu uma piscadela e foi para seu quarto. Fechei a porta e abri as latas de tinta.
  Eram três latas, uma cinza, uma lilás e uma azul marinho. Fiquei olhando para as tintas pensando em que fazer e por onde começar. Decidi pintar a parede aonde ficava meus livros de cinza. Desejei o líquido na vasilha e comecei a pintar a parede. Depois de algum tempo eu notei que faltava algo: música.
  Fui até a cozinha e peguei o aparelho de rádio que estava lá. Minha mãe costumava escutar música enquanto cozinhava. Me lembrava de ter vagas lembranças dela tagarelando alguma melodia junto com o rádio.
  Subi as escadas de dois em dois degraus e coloquei o rádio no chão. Procurei a sacola com os CDs que tinha comprado, o que foi uma tarefa um pouco complicada tendo em vista a bagunça em que meu quarto se encontrava.
   Quando achei a sacola, coloquei o CD da Legião Urbana para tocar.
   Quando eu terminei estava completamente suja de tinta, duas paredes pintadas, uma de lilás e a outra de cinza. Tinha conseguido dar duas mãos na parede cinza e de quebra decorar alguns refrãos do CD.
   Tapei as latas e fui para o banheiro tomar banho. Quando a água quente caiu nas minhas costas percebi o quão estava cansada  como precisava daquilo. Deixei a água escorrer por todo meu corpo por um longo tempo. Aquilo fez meus músculos relaxarem.
   Terminei de tomar banho me vesti e abri a porta, admirando as paredes que eu havia acabado de pintar.
  Aquela noite eu teria de dormir na sala, porque o cheiro de tinta era um tanto quanto desagradável. Peguei minha manta meu travesseiro e uma fronha limpa e desci. Coloquei as coisas no sofá e fui para a cozinha fazer café. Apesar de cansada, não estava com sono.
  Liguei a TV para ter alguma companhia e coloquei a água para ferver. Nesse período, observava a rua pela janela. Comecei a pensar em como um mesmo lugar parecia diferente em outro perspectiva. Lá de cima, do meu quarto; da minha poltrona, aquela rua, aquele quintal parecia tão triste e singular. Mas ali, da janela da cozinha, parecia um ótimo lugar para fazer um churrasco de domingo com seus amigos. Ou simplesmente conversar.
“  Viu Magnória, uma mesma coisa pode ter várias perspectivas” sorri com esse pensamento.
  Depois de terminar de fazer o café, coloquei na garrafa térmica e despejei um pouco na minha caneca e fui para a sala.
  Sentei no sofá e comecei a passar os canais em busca de algo para assistir. Joguei minha manta nas minhas pernas e parei no canal que estava passando o filme Laranja Mecânica. Lembrei de ter visto o título em alguma livraria ou sebo em que frequentava.
  Li a sinopse e descobri que ele era um clássico distópico. Já começou por aí o interesse pelo filme.
  Assim que deu o primeiro comercial, levantei e fui até a cozinha pegar a garrafa térmica e levar para a sala.
  O filme tinha me cativado tanto que eu não queria perder alguma coisa. Ele era cheio de detalhes, se perdesse algum indo pegar café na cozinha,  poderia comprometer minha perspectiva sobre o filme.
  Quando o filme acabou, a  garrafa térmica estava quase vazia e a noite já era quase dia. E eu comecei a pensar em muitas coisas. O filme me deu inspiração para desenhar e para qualquer outra coisa que me desse na telha fazer.
  Aquele viria a ser meu filme favorito.
  Desliguei a TV e deitei. Mas com o tanto de cafeína no meu corpo, dormir era uma tarefa um tanto quanto difícil.
  Então, no lugar, minha cabeça ficou cirando situações dentro do universo de Laranja Mecânica.
  Dormi por aproximadamente duas horas. Quando acordei já eram 8H. Levantei e fui escovar os dentes.
   Quando desci novamente, minha mãe estava arrumando a bagunça que eu havia deixado.
— Mae! Eu ia arrumar.
— Oxe Magnoria. Dobrar um cobertor e levar uma garrafa para cozinha. Vai cair meu braço?
Eu ri e ela sorriu. Ela foi para a cozinha levando a caneca e a garrafa e eu à segui.
— Está mais alegre... E menos pálida -Minha mãe tinha dito aquilo com cautela, pretendo atenção de canto de olho na minha reação.
—É mesmo né mãe?  Eu estou tentando!- falei com a voz animada e ela abriu o sorriso.
   Peguei um copo e enchi de café. Tomei em pequenos goles enquanto comia algumas bisnagas. Quando terminei, lavei o que havia sujado e fui ao quartinho de baixo da escada pegar alguns pincéis e tintas que eu usava para desenhar. Tinha decidido desenhar algumas rosas roxas na parede do meu quarto.
    Subi e comecei a medir aonde eu iria pinta-las. Comecei a fazer o desenho à lápis na parede. Desci para pegar algumas vasilhas para diluir a tinta em água. Eu queria pintar as rosas com um efeito aquarela.    
      Peguei as vasilhas e olhei o relógio. Marcava 10:10. Voltei para meu quarto e comecei a contornar as rosas com um pincel fino mergulhado em tinta preta. Quando por fim comecei a pintar as rosas, o efeito causado pela tinta diluíoda muito me agradou. A tinta escorria pela parede dando um toque delicado. Fiquei pintando as rosas por mais algum tempo e só parei porque minha mãe estava me chamando.
    Desci as escadas com um pincel na boca e tentando fazer um coque com o próprio cabelo.
    — Mag, você tinha esquecido que vínhamos hoje? 
    Peguei o pincel da boca e olhei o relógio
  — Caramba!  Já são 12:30? Que mentira, olhei o relógio agora e eram dez da manhã. De qualquer jeito vamos lá.
    Diego tinha nas mãos uma sacola com vários spray,  ele vestia uma camisa larga de uma banda que não conhecia e seu olhar fixado como sempre. Thomas tinha seu cabelo leiro preso e vestia jeans e uma camisa de manga comprida marrom. E claro, seu olhar inquieto.
    Os dois subiram as escadas me seguindo. Quando estraram no meu quarto, ambos os olhares se voltaram para as rosas que estava desenhado. Um por mais tempo que outro.
— Não sabia que você desenhava...
— Pois é Diego, às vezes até eu esqueço...
    Enquanto eu e Diego ficávamos olhando a parede, Thomas plugava seu celular no aparelho de rádio que ainda estava lá.
— Vou colocar Kiss só porque combina muito com esse clima.
   Começou à tocar uma música que só mais tarde soube que se chamava “I was made for lovin' you”.
   Kiss viria à se tornar minha banda estrangeira favorita.
— O que você vai querer que eu grafite?— Diego perguntou tirando os spray da saca
— Cara! Você grafita? Ok, que pergunta difícil... Me deixa pensar...- fiquei por um tempo pensando no que queria estampado ali, até tomar uma decisão - Não sei se você conhece, mas seria legal colocar o Alex de Laranja Mecânica.
— Um dos meus livros favoritos. Boa escolha. Seguinte vou fazer um efeito mais ou menos parecido com aquarela pra combinar com suas rosas.
   Confirmei e voltei a minhas rosas. Enquanto isso Thomas pintava a parede que ficava minha escrivaninha de lilás. Ele balançava o pé no ritmo da música o que eu fazia com a cabeça.
— Cara, vocês já pararam para pensar que essa realidade pode ser um universo paralelo? — Thomas falou e quando terminou a frase assobiou um trecho da música
— Eu já. Tipo, isso a gente pode estar vivendo em um universo inverso. Por exemplo, os “valores sociais" podem ser inversos nesse universo.— Diego disse quanto terminava de riscar a parede
— É,  ou então o passado, futuro e presentes estão acontecendo ao o tempo.  Imagina que loucura se agora Hitler estiver invadindo a Polônia, Cleópatra se suicidado e Marylin Monroe gravando algum filme. — falei fazendo alguns detalhes na rosa
— Sinistro. Ou então algo por exemplo, vários universos paralelos conectados. Daí se a gente achar um ponto que abre uma passagem na fronteira deles. Tipo Donnie Darko.
— Diego, já percebi que você gosta das coisas bizarras.
— Mag, você já assistiu Donie Darko? — balancei cabeça negativamente em resposta— Você vai assistir.. Mas é sério, é algo para se pensar.
— Definitivamente é algo para se pensar. Deveriamos estudar sobre isso não acham? 
— Nas escolas?- Thomas perguntou cerrando os olhos enquanto olhava a parede
— Sim, nas escolas.
— Ih Mag, não seja ingênua- Diego disse em tom brincalhão- A escola só quer doutrinar a gente.
   Antes que pudesse dizer algo mais, Thomas começou a cantar uma música divertida, e Diego logo o acompanhou, eu me surpreendi por saber o refrão da música. Eles cantavam o resto e eu o refrão.
“ Rock And Roll All Nite” era a música”
  Os meninos começaram a dançar e me puxaram para pular com eles no meio do quarto, enquanto fingiam tocar alguma coisa. Quando música acabou ei estava vermelha de tanto rir.
                                               
                       
              
                               ***

   No final do dia estava tudo no lugar e seco. Thomas tinha escrito “Detroit rock city” na parede com letras circular, muito bonitas. Era o nome da música do Kiss favorita dele.
  Ficamos admirando a trabalho que tínhamos feito. O desenho de Diego tinha ficado impressionantemente magnífico.
  — Vamos ir na Paulista? -Diego disse com seus olhos parados em qualquer ponto da parede
  — Vamos!— Thomas nem se quer pensou.
  — Gente, vocês estão todos sujos de tinta
— Isso dá um ar descolado docinho- Diego respondeu fazendo uma voz de ator dos anos 80. Eu ri e dei os ombros.
   Pensei em falar não, mas os dois me lançavam olhares que não me dava muitas opções.
— Peçam para minha mãe e tudo certo.
— Fechou- eles disseram em coro.

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