III

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Trecho retirado do extinto Gazeta do Buraco, antigo jornal local de Might Hallow

13 de Junho de 1986, ED. N. 662 - Outra vez, Colina de Sangue

Mais um crime se acumula no macabro histórico do casarão de Colina de Sangue. Esta manhã, dia 13 de Junho de 1986, às seis da manhã, um dos empregados da família McFlower, identificada apenas como Eliza, presenciou algo realmente perturbador: o filho mais novo da família, Gregory McFlower, foi encontrado morto ao lado da residência. (...) Segundo as principais suspeitas, acredita-se que suicídio era a mais provável. (...) A hipótese da família estar envolvida no caso ainda não foi descartada. (...)

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Tia Shei já deve estar com 40 anos ou mais. É a filha mais velha da vovó Mercy e era a única irmã viva da mamãe. Ela costumava morar com a vovó até seus 23 anos em Might Hallow, mas depois se mudou para Stringway, para ficar mais perto da mamãe. Pelo menos foi isso o que me contaram. Ela foi a minha madrinha, e quase foi a da Marylin, mas meu pai decidiu mudar isso de última hora. "Você já escolheu os padrinhos do nosso primeiro filho, agora me deixe escolher os da segunda! " foi o papo que meu pai usou para convencer a mamãe. Ele escolheu o tio Joe, seu irmão mais novo, como padrinho e como madrinha, na época, uma amiga. Janet Lavigne. Cirurgiã plástica renomada na região, uma jovem estrela em ascensão na carreira médica. Papai a conheceu uns anos atrás no hospital da nossa cidade, quando mamãe ficou inconsciente depois de uma overdose. Estava de passagem na região, e eles se encontraram acidentalmente no saguão do hospital. O resto eu não sei. Só sei que uns tempos depois essa amizade deixou de ser uma amizade. Mamãe não estava passando por um período muito bom, e isso não ajudou em nada a situação. Pois é.

Ela largou essa vida por que não aguentava mais isso. Estava cada dia pior.

Não pensou em nós. Egoísta, talvez. Mas era uma boa mãe.

Afasto os pensamentos à força e encosto o meu rosto na janela do carro para admirar a paisagem. Faz pensar em mais alguma coisa que não seja morte.

Depois de algumas horas de carro depois de ter saído de Stringway, o carro passa por uma estrada sem nome, com algumas montanhas bem ao fundo e cercada de muitos e muitos pinheiros, todos de um verde acinzentado. Não muito normal. Nada normal.

– Que tédio – a Tina tira os fones de ouvido – Não podemos fazer uma parada não?

– Se você achar alguma coisa por aqui que não sejam pinheiros, nós fazemos uma parada – meu pai diz, sorrindo. Jane, do banco do motorista, lança um olhar matador

– Vamos sim, filha – começa a falar – Só espera mais um pouco até chegarmos à civilização...

Já esperei demais! Quero sair daqui, esticar as pernas, agora!

E o carro vai pro meio fio e freia bruscamente. Tina põe de novo os fones, abre a porta e sai do carro. Se levanta, e admirando o nada, começa a levantar o celular com as duas mãos e dar pequenos passos, sem tirar os olhos da tela do aparelho. Sua tenra concentração é interrompida por uma ventania que joga seus cabelos nos seus olhos e boca. Não consigo segurar uma risada. Cospe alguns cabelos e entra de novo no carro, com uma expressão fechada

Boneca (NV)Onde histórias criam vida. Descubra agora