SINAIS

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Relutou a abrir os olhos. Vislumbrou o terreno completamente destruído, resultado da batalha de outrora, se ergueu sobre as pernas trêmulas e pôs a mão esquerda sobre um ferimento aberto na barriga. Não conseguiu dar dois passos em linha reta antes de cair novamente. A visão continuou embaçada, mas, com esforço, conseguiu convergir os sentidos para vasculhar o recinto. Ficou de pé mais uma vez e usou todo o vigor que lhe restava para girar o torso. Piscou rapidamente, para tentar enxergar melhor, concentrou o olfato e sentiu a fetidez invadir-lhe as narinas. O estômago embrulhou quando discerniu que o fedor era originário de vísceras espalhadas pelo chão.

"Impossível...", a palavra martelou o pensamento. Inúmeros corpos jaziam empilhados pelo cenário caótico. Cabeças e membros separados dos corpos, o sangue formava uma piscina escarlate que parecia não ter fim. Em meio a isso, uma única figura se ergueu em meio à carnificina.

- Quem é você? - a voz saiu sem força, quase totalmente abafada pelos ventos. Procurou endireitar-se, já prevendo que a figura seria inimiga e de força magnânima, responsável por toda aquela destruição. Cuspiu sangue e sentiu um frio desumano percorrer-lhe a espinha, como se a morte a sondasse.

- Onde está aquela fúria, Cassyeg? - O semblante era masculino e a voz era conhecida, mas Cassyeg não conseguiu discernir quem a confrontava. Buscou entender o que aquelas palavras significavam, já que sequer tinha lembranças de como havia chegado ali, tampouco de como a peleja se iniciara. Sem sucesso em obter tais respostas, tentou identificá-lo em última instância através do seu tipo de Fôlego Espiritual, uma vez que os Conjuradores eram especializados em sentir e gravar presenças, jamais esqueciam os resquício de seu F.E. Infelizmente, mas a garota não o reconheceu.

- O que quer de mim? Quem é você? - A garganta rasgou com o líquido viscoso que lhe invadiu a boca.

- Não importa! Afinal, nem Odin, o Pai de Todos, conseguiria salvar-lhe agora. O mais recompensador de tudo é saber que terei o prazer de privar todos esses tolos de sua sublime presença. Você deveria me agradecer. - O demônio se aproximou lentamente, materializando a arma que ceifaria mais uma vida. Uma adaga curta e curva, dotada da mais nefasta energia que Cassyeg já tinha sentido. Fechou os olhos e colheu o conforto necessário em suas lembranças ao abraçar aqueles a quem mais amava. Segurou as mãos de Roy e Vergil e pôde jurar que os sentiu uma última vez. Em seguida, não sentiu mais nada, o corte seco e rápido lhe decepou a cabeça, sua essência se esvaiu ao tombar do corpo inanimado no chão saturado de sangue. Devido aos estímulos nervosos, a garota reabriu os olhos um instante antes, apenas para vislumbrar o largo sorriso que exprimia a felicidade no semblante frio de seu algoz.

A jovem abriu os olhos calmamente, o batimento cardíaco acelerado e o suor frio eram os mais amenos dos sintomas após esse estranho sonho.

"Um, dois, três...", respirou fundo e iniciou a contagem em seu pensamento, procedimento que tinha sido instruída a executar quando fosse acometida por tais sonhos. Havia passado por um tratamento psicológico na ala médica do orfanato e hoje os terríveis ataques de pânico originados pelos pesadelos eram apenas distantes lembranças. Enfim se acalmou, a barriga roncou ferozmente, avisando que já não se alimentava há horas. Cassyeg se encontrava em uma sala de treinamento, tinha passado a noite inteira praticando algumas magias para utilizar durante as Olímpiadas de Aesir e acabou adormecendo quando parou para descansar. Tateou o chão à procura de uma bolsa de couro, onde guardava algumas frutas, um cantil de água, meio pão de aveia, um punhal afiado, um pequeno embrulho e um livro de médio porte em ótimo estado, Bestiário Base de Criaturas Mágicas - Volume I.

Devorou o pão e as frutas enquanto sorvia de um só gole toda a água do cantil, folheando as páginas do livro. Deu uma última olhada nas características da besta mágica Luminarious, que teria de capturar caso quisesse vencer a competição, na qual tinha se inscrito um dia antes, e receber o prêmio em moedas de ouro. A Olimpíada de Aesir era uma competição de alto nível intelectual e mágico que acontecia no arquipélago de Balão Aquático. Sete provas ocorriam em sete dias, obrigando os competidores a otimizar seu tempo em meio a situações extremas. As despesas da viagem seriam pagas pelo orfanato, mas uma prova de corte, ainda sem local definido, decidiria aqueles que participariam da Olimpíada e a garota desejava o dinheiro extra para comprar alguns materiais de pesquisa. Além disso, participar da pequena contenda durante o Festival de Frei seria um ótimo exercício, por isso optou por inscrever-se na competição Procure a Luz.

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