Capítulo 1

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Calma. Eu não aguento mais. Perdi a conta de quantas vezes, quantas noites repito esse processo, tento dormir para que os medos não tomem conta de mim, mas rapidamente sou jogada dentro do meu pior pesadelo. E quando toda aquela cena se repete várias vezes, eu acordo ofegante, e infelizmente percebo que ainda estou viva, minha última tentativa de por um ponto final em tudo não deu certo. Minha mãe está a alguns metros de mim e não faz a menor ideia de como me sinto, da intensidade da dor que há dentro do meu peito, da solidão que sinto. E quando ela vier me ver durante o dia, irei repetir o que sempre digo: "Eu não estou bem, preciso dormir, e mesmo que ela retruque, acaba me deixando sozinha, mas nem quando ela está aqui me sinto acompanhada. Sozinha, sem ninguém, é assim que estou há semanas.

Não posso dizer a ela como me sinto, que não tenho mais vontade de viver, que ir para a escola nos últimos dia que fui foi a maior tortura que já tive. Minha mãe sempre fez tudo para que tivesse tudo o que precisasse, e depois da morte do meu pai uma ferida foi aberta no meu peito e nunca mais foi fechada, um vazio, mas não entendi isso assim que o perdi, na verdade não entendo nem agora, quase um ano depois e ainda doí, todos dizem que com um tempo para de doer, que passa. Mas estão errados, cada dia que se passa é como se varias facas fossem enterradas no meu peito.

 Queria dizer a minha mãe como me sinto, dizer a ela toda essa dor que está acumulada aqui dentro, mas não posso, não posso preocupá-la com meus defeitos, não devo pensar que a culpa é dela, quando na verdade a única culpada sou eu, por existir.  Queria mudar tudo, mas não consigo, não vejo motivos para continuar, e sei que minha mãe ia se preocupar se soubesse como realmente me sinto. Sou mais que um peso nas suas costas. Quantas vezes pensei que todo aquele acidente poderia ter me levado no lugar do meu pai? Ele e minha mãe iam superar, sempre tiveram minha força juntos, era como se um completasse o outro. E agora ela está sozinha por minha culpa, agora ela está sofrendo por não o ter aqui.

Presa. Essa é a sensação que tenho, como se estivesse dentro de um vidro, apenas vendo tudo o que se passa na minha vida sem ter o menor controle de toda a situação, querer fazer algo, juntar todo o último fio de força que tenho e lutar contra essa maré de tristeza que sinto, mas não consigo sair da cama, é como se eu estivesse amarada. Não posso dizer nada a ninguém. Não posso preocupar minha mãe com minhas tristezas, é impossível ser feliz o tempo todo. Sei que vai passar. Como olharei para minha mãe novamente depois de preocupá-la com algo passageiro?Tenho que lidar com minha dor sozinha. É assim que estou. Sozinha.

E é exatamente quando me sinto assim que faço tudo que consigo para aliviar essa dor. Me cortar, me mutilar, e por um segundo, durante esses atos, não lembro da minha dor emocional, porque a dor física está mais alto, mais forte, e quando essa dor passa, vejo meu sangue saindo lentamente do meu corpo, a tristeza bate ainda mais forte e me pergunto por que eu ainda estou aqui, por que continuar vivendo quando todos ao meu lado estão felizes, mas eu me vejo num poço, cada vez ainda mais baixo, sem motivos para pedir ajuda.

Não preciso de ajuda.

Tudo que preciso é que Deus tenha piedade do meu sofrimento, da minha dor, entenda minha vontade e me leve com ele, para que, enfim, toda dor, todo caos, e cada devastação que se propaga por onde passo, finalmente poderá acabar. E talvez deixe de ser uma vergonha para minha mãe. Vergonha para meus amigos. Para todos que me conhecem, ou me conheceram. Já não sei mais quem eu sou. Ou melhor, o que sou.

Eu nem sei mais o que sou, é como se estivesse um pano preto, um véu, que me permitisse ver quem realmente sou, as únicas coisas que tenho. Defeitos. É a única coisa que restou em mim, destruição, dor, sofrimento. Tudo o que tenho nesse momento é defeitos, todos sempre me viram como uma garota inteligente, focada e dedicada ao futuro que quero. Mas agora, nesse momento, tudo o que todos veriam seria meu egoísmo, ansiedade, veriam que me tornei uma pessoa antipática, desequilibrada, orgulhosa, obcecada. Ninguém diria que sou um exemplo nesse momento. Se é que algum dia conseguiria ser quem fui um dia. Mas sei que é impossível.

Ninguém precisa me dizer quem realmente sou, como sou horrível por dentro, e ainda pior por fora. Um monstro. Tentarei explicar a minha mãe como me sinto, tenho que ter forças para utilizar o último fio de vontade e esperança que há dentro de mim. Preciso dizer a ela como realmente estou, como sua filha, sua única família. E não tenho coragem de dizer a ela toda a dor que sinto, de dizer o enorme vazio que sinto aqui dentro.

Quando percebo eu já estou chorando, já estou quase implorando para alguém me tirar dessa escuridão, eu preciso que alguém seja minha luz. Preciso que alguém me ajude, ou apenas me abrace como se os braços de alguém pudessem me livrar da dor que sinto, do vazio, da escuridão.

Mas sei quem talvez possa ser minha luz.

Passei o resto da noite acordada, tentando pensar em como ia falar com quem precisasse para transparecer tudo o que sentia naquele momento. E antes que eu pudesse perceber, eu já estava quase adormecendo. Mas sabia que nenhum pesadelo iria me despertar, nunca em semanas havia me sentido tão bem. Por quanto tempo eu dormi quando finalmente assumi que precisava de ajuda?

       **********

Naquela manhã acordei cedo, minha mãe havia ido trabalhar como fazia todo dia. E pela primeira vez em semanas a abracei antes de ir e disse que a amava, me sentia mal por a ter afastado. Mas talvez poderei dizer tudo o que precisava para ela quando voltasse do trabalho. Algumas horas depois ouvi alguém bater na porta. Chegou, pensei rapidamente.

Me aproximei da porta, aquela seria minha tentativa de ficar bem, minha válvula de escape.

- Bom dia - digo enquanto abro a porta. - Obrigada por ter vindo.

- Pode contar comigo para qualquer coisa, Sam - disse ele rapidamente.

Peço para ele entrar e se acomodar na sala.

- Sam - diz ele sério- , por que me chamou aqui? O que está acontecendo com você?

- E-eu não tenho certeza, mas preciso da sua ajuda. - Digo com toda a sinceridade que consigo- Ou vou acabar me matando.

- Sam... - ele começa, mas o impeço.

- Preciso continuar, ou nunca mais farei isso.

Ele concordou.

- Não sei o que sinto, só sei que é como se toda a minha vontade de viver estivesse se esvaziando entre meus dedos. Não sei o que faço, Renato, estou cansada de sentir tudo isso, de sofrer sozinha.

- Não será mais preciso estar sozinha, eu irei lhe ajudar.

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Nota da autora: Bem antes de mais nada, obrigado a cada um que leu até aqui, se tiverem gostado. Deixem seus votos e comentem o que acharam é muito importante para mim.
O principal motivos por estar escrevendo contos sobre assunto polêmicos, é querer ajudar alguém, mudar a forma que veja assuntos delicados.
E espero contar com vocês nesse caminho.
Isso é tudo.
Até a próxima ;)

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