Capítulo 08

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Alice

Minha agora borrada visão ficou observando Romeu se afastar, e ele não olhou para trás nenhuma vez enquanto dobrava o corredor até que meus olhos já não pudessem mais vê-lo. Quem quer que tenha estado ali além de nós acabou indo embora tão rápido quanto chegou e ao que parecia não havíamos sido descobertos.
Eu podia ouvir as batidas do meu coração como se estivessem altas o suficiente para que qualquer pessoa que passasse no corredor ouvisse também, meu corpo estava em chamas e uma parte em especial queimava mais que qualquer outra ao mesmo que doía em frustação. Porém tudo o que meu corpo sentia parecia pequeno e sem importância se comparado ao que meu peito sentia as palavras de Romeu que não paravam de ecoar em minha cabeça.
"Isso foi real, Alice" ele havia dito. Mas... o que tinha sido real? O beijo? O desejo que sentiu de me tocar naquele momento? Que não fora uma encenação ou apenas um capricho de Romeu? Queria poder ter forças para me mexer e correr atrás dele, exigindo uma resposta que talvez nem ele mesmo tivesse, mas ao invés disso encostei as costas na parede atrás de mim e deslizei até estar sentada e abraçando os próprios joelhos.
Estávamos naquele curso já fazia três anos, e eu sempre achei que o que sentia por ele era uma mera paixão platônica. Não. Era uma paixão platônica. Tinha que ser! Eu saberia se fosse outra coisa. Sempre o admirei pelo grande ator que era, mesmo tão jovem, que me inspirava a querer ser igual a ele a cada dia mais, que me fazia mais determinada, mais segura de que ser atriz era o que eu queria. Então por que eu estava com medo de me levantar e ir para a sala de aula? Por que tinha medo de voltar a olhar dentro das esmeraldas lindas e fascinantes de Romeu e ver nelas apenas aquele desdém e indiferença que lhe era característico? Só de imaginar isso meu estômago ameaçava colocar para fora tudo o que eu já havia ingerido. Que droga!
- Ah meu Deus...-Gemi em frustração me encolhendo ainda mais contra a parede, sentindo um aperto no peito cada vez mais forte. Pousei a mão em cima do local onde doía e massageei com delicadeza. - Se acalme, se acalme. -Eu falava como se fosse um mantra, um mantra precioso que no momento era minha âncora de sanidade.
Não sei quanto tempo se passou sem que eu me mexesse, mas quando ouvi mais passos perto de mim meu desejo era de ter uma capa invisível como a do Harry Potter e colocar sobre mim para me esconder, mas infelizmente só em livros fictícios isso acontecia, contudo, a voz que ouvi compensou a falta da capa da invisibilidade.
- Lice? -Ergui minha cabeça e dei de cara com os olhos azuis cor de gelo de Julian que brilhavam em preocupação.
- A aula já começou e quando Romeu entrou sozinho na sala fiquei preocupado. - Ele falou e então cerrou os olhos para mim e seu olhar ficou tão cortante quanto facas afiadas. - Que diabos aconteceu aqui, Alice?
Respirei profundamente. Essa conversa ia render.
Fiz um gesto para que Julian se sentasse à minha frente e ele assim o fez cruzando as pernas e os braços, com uma sobrancelha erguida que dizia "Pode começar e não me esconda nada". Então eu contei, sem deixar nada de fora e por incrível que possa parecer não fiquei envergonhada por ter relatado um amasso tão quente com Romeu, eu sabia que Julian estava adorando ouvir tudo dada a forma como seu sorriso se alargava sem parar até o ponto em que pensei que sua boca fosse rasgar.
Quando terminei baixei a cabeça sabendo que viria um sermão por aí. Mas ao invés disso ouvi uma risada, é isso mesmo, uma risada. Julian ria como se eu fosse um palhaço que tinha acabado de contar a piada do século. Fechei a cara na hora.
- Qual é a graça? -Resmunguei agora mais irritada do que tudo, já que meu amigo não parava a risada por nada. - Tá legal Julian, que porra deu em você?
Agora eu estava furiosa. Eu estava tendo um conflito interno e meu amigo que supostamente deveria estar me aconselhando ria às gargalhadas! Por sorte minha explosão surtiu algum efeito por que ele parou de rir na hora.
- Ok, foi mal. -Ele sorriu largamente. - Só você mesmo para se preocupar com essas coisas, Lice.
O olhei irritada.
- Isso é mais sério do que parece. Não sei como encarar essa bipolaridade do Romeu e isso me mata por dentro. Em um momento ele me toca como se eu fosse sua pessoa favorita no mundo, no outro me despreza totalmente e age como um cretino sem coração. Estou com medo de qual deles eu vou encontrar assim que sair daqui. - Meus ombros caíram e um suspiro frustrado escapou.
- Eu acho que não é com isso que devia se preocupar.
- E eu devia me preocupar com o quê?
- Com o motivo dele ser assim. -Julian ergueu uma sobrancelha.- O Romeu não parece sofrer de bipolaridade em si, ou algum outro distúrbio mental. Diria mais que é um mecanismo de defesa dele.
Olhei pare ele como se uma cabeça extra estivesse surgindo em seu pescoço. Uma das coisas que mais me surpreendia era a capacidade que o Julian tinha de avaliar e observar as pessoas. E em 99,9% das vezes, ele acertava em seus julgamentos. Mas acho que esse é um daqueles momentos que entra os 0, 01% de erro. Bufei.
- Isso não faz nenhum sentido, Jules.
- Para você não, já que tá apaixonada por ele. - Meu corpo travou de imediato enquanto meus olhos se arregalavam para meu amigo.
- Eu não tô apaixonada por ele! - Eu não devia estar, certo?
Mas Julian parecia discordar pois revirou os olhos.
- Corta essa, Lice. Você conhece esse cara faz três anos, nunca perdia a oportunidade de falar dele sempre que me ligava, já o beijou e ficou com ciúmes quando ele agarrou aquela loira lá na festa. Se isso não é estar apaixonada, que Deus nos ajude. Por que será um saco te ouvir falar dele no futuro. - Ele sorriu de forma gentil e pôs a mão em meu joelho, afagando de leve. Gemi tapando colocando meu rosto entre as mãos tentando colocar a cabeça no lugar.
- Isso não pode ser verdade. Eu não posso estar... - Era quase um palavrão dizer aquilo. - Apaixonada pelo Romeu.
- Qual é o problema nisso? Foi amor à primeira vista.
- Não acredito em amor à primeira vista. Acredito em amor que se constrói. - Murmurei baixo.
Ouvi Julian resmungar:
- Você pensa demais.
- Esse não é o problema. Não estamos em um conto de fadas, eu nunca acreditei nessa coisa de encontrar um homem perfeito, e saber que ele é o cara para mim. Se eu fosse ama-lo seria aos poucos, o conhecendo no dia-a-dia, vendo seus defeitos e qualidades. O amor que nasce aos poucos são os melhores e mais duradouros.
Eu nunca teria como base para mim o relacionamento dos meus pais, se fosse me deixar levar pelo que eles diziam antes sobre terem se apaixonado de imediato assim que se viram e em pouco tempo depois se casaram eu estaria ferrada. E eu só precisava me lembrar de onde estava o relacionamento deles hoje para que a baboseira do "amor à primeira vista" se tornasse ainda mais falsa na minha cabeça.
- Sei o que está tentando fazer. - A voz do Jules me tirou dos meus devaneios me fazendo levantar a cabeça e o encarar com a testa franzida.
- O quê?
- Comparar todo relacionamento que já teve com garotos ao do seus pais.
- Como você... - comecei a falar, mas ele me interrompeu.
- Eu te conheço à vida toda, linda. Vi o que você passou quando seus pais se divorciaram. Tentar mentir para mim é a pior escolha. - Com uma piscadela ele se aproximou de mim ficando de joelhos à minha frente e me abraçou. Envolvi os braços em torno de sua cintura e o apertei, sentindo seu calor me envolver. Ele estava certo e isso só fez com que eu ficasse mais apavorada ainda.
- Não sei o que fazer, Jules. -Falei com voz abafada, me sentia perdida e meu coração doía cada vez mais.
Senti quando seu corpo se colou ainda mais ao meu, aquele tipo de abraço antigamente me sufocaria, mas agora é tudo o que eu precisava.
- Levantar essa linda bundinha daqui e ir assistir à aula. É isso que vai fazer.
Devagar ele foi se afastando até que eu estivesse encarando seus olhos. Sua mão tocou minha bochecha com carinho.
- Não precisa dar o passo maior que a perna. Você ser amiga do Romeu é mais do que ele merece. Não importa o que você sente por ele agora, apenas viva esse sentimento.
Assenti e então sorri levemente para mostrar que estava tudo bem por que as palavras dele faziam sentido, mesmo que eu estivesse um pouco insegura quanto á me deixar levar pelo que eu sentia pelo Romeu. Mas Julian tinha razão, não havia motivo para ficar tão nervosa. Embora encarar Romeu fosse a última coisa que eu quisesse, agir naturalmente era o melhor a se fazer. Afinal só havíamos nos atracado entre as máquinas de refrigerante, só isso. E eu prometi a mim mesma que tentaria entender tudo o que aquilo havia significado maior do que apenas desejo, eu amei cada sensação que o toque daquele homem me proporcionou mas não estava satisfeita com aquelas brincadeiras. Eu não seria um brinquedo, e que meus sentimentos, fossem quais fossem que ficassem escondidos até que eu pudesse saber quais eram eles de verdade.
- E então, vamos ficar no esconderijo ou você pretende se mexer e ir atuar? Você vai beijar o Romeu muitas vezes ainda e mesmo que seja sexy essas maçãs vermelhas duvido que a Julieta ficasse igual. Para mim, aquela garota de puritana só tinha a cara mesmo.
Eu não queria, mas uma risada acabou escapando sem que eu pudesse controlar. Como eu amava aquele garoto.
- Senti sua falta, Jules. -Falei sorrindo sinceramente para ele.
- Quando você não sente? Diria que está apaixonada por mim. - Ele sorriu sedutor.
- Vai sonhando. -Revirei os olhos e então rimos enquanto ele pagava minhas mãos e nos levantava até ficarmos de pé.
- Hora de entrar em cena, Julieta.
Dando um beijo no canto da minha boca, ele me puxou até que estivéssemos fora daquele cubículo apertado e me guiou para o teatro do campus e por incrível que possa parecer eu não estava com medo, não mais.

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