I- Ana Laura, escritora
Meu quarto novo, é peculiar, irritante... Monótono, vazio, apenas uma cama de ferro e um criado-mudo de duas gavetas ao lado. Tem um copo em cima, pelos menos. O cômodo é todo branco. Não divido quarto com ninguém, por enquanto. Talvez os médicos e as enfermeiras devem ter notado, que sou normal. Sim, eu sou normal. Só não me descontrolar, que assim, não perco as estribeiras. Tentei me matar mês passado, culpa da minha mãe, a minha velha mãe. Tentei me matar com um coquetel de drogas, injetados na minha veia. Queria algo menos doloroso, e que eu morresse em um outro estado, algo feliz, na loucura.
Sou carioca, nascida no Rio de Janeiro. O Rio é bonito, cheio de praias, rapazes gentis, eu acho. Nunca pude ir à praia, vestir um biquini... Nunca pude falar com rapazes. Minha mãe é um religiosa fervorosa, trata a religião com afinco. Há vários tipos de evangélicos no mundo, mas a minha igreja é muito consevadora. Minha velha é doente pela religião. Me privou de viver. Tenho 24 anos, e me jogaram em um hospício, aqui mesmo na cidade maravilhosa. É uma construção antiga, cheira a tinta velha, caindo aos pedaços. As paredes do meu quarto só estão brancas pois pintaram-nas agora, e penso que é o único quarto que pintaram. Passei pelos corredores, as paredes que eram brancas estavam todas sujas, e juro, que em uma delas, eu vi marcas de sangue. As únicas paredes coloridas, são as do quarto 22, do pintor maluco e do autista. Motivo: o pintor é mudo, e pinta tudo quanto é lugar, e o autista, pega os potes de tinta guache que dão ao pintor, e espalha em outro canto da parede. Ninguém aqui dentro é normal. São piores que eu.
Estou aqui, pois escrevo. Minha mãe acha que isso é uma ameaça, que não é de Deus. Eu escrevo de tudo: erótico, terror, aventura... Uma vez, pensei em publicar um livro, mas minha mãe enlouqueceu! Me surrou, me pôs ajoelhada no feijão, rezando em frente a uma cruz. Não sentia dor, e eu rezei, pedindo a Cristo para me ajudar, para que eu pudesse ter liberdade. Desde menina, eu tenho um descontrole emocional muito forte. Passei uma época sem comer, não queria me alimentar de nada. Quase morri, mas ela resolveu largar as crenças absurdas, e me levou ao hospital, onde tomei soro. "Melhorei", mas comecei a apresentar distúrbios bipolares, onde de minuto em minuto, eu ria, e depois tentava me cortar, me matar, ou coisas afins. Quando fico com muita raiva, ainda faço isso. O problema, é que durante toda a minha infância, eu tinha esses descontroles. Na adolêscencia, eu comecei a escrever, e consequentemente, meus descontroles começaram a diminuir. Penso que tenho mais de uns 20 diários em minha casa, culpa do meu sofrimento. Tinham horas, que eu me estressava tanto, e não tinha como me controlar. Eu não tinha controle sobre mim, nessas horas.
Eu cresci fascinada pelo mundo lá fora, do qual eu só via pela televisão, a maior parte do tempo. Mamãe dizia que: "Uma boa mulher e futura esposa, deve ficar em casa.". Eu não nasci, para ficar presa. Inventei mundos onde eu podia ser feliz, e os quais eu conhecesse muito bem. Neles eu era uma aventureira, eu podia ter amigos, me casar com quem quisesse... Mas faltou sempre algo. Faltou o mundo real, que eu não conheço, e não sei viver nele. Não culpo a Deus, ou a Jesus pela minha mãe ser assim, eu culpo ao ser humano por inventar uma religião tão fora de si! Quando a religião é boa, ela dá o livre arbitrio para que se possa escolher seu caminho. A minha, é estranha, é algo além de... Não gosto de falar sobre isso. Toda vez que lembro, lembro daquelas músicas medievais que tocavam no órgão da igreja, aqueles ritos meio estranhos de tirar demônios das pessoas... Tudo muito sombrio! Dá vontade de me matar, me judiar. Percebo que estou assim quando minha respiração fica baixa, eu perco o controle de mim mesma. E...Eu desmaiei. Vieram duas enfermeiras cuidar de mim. Ainda bem, que não perceberam meu caderno aberto no chão. Ele caiu debaixo da cama.
"-Talvez uma pressão baixa tenha causado o desmaio."
Eu ouvi ela dizer isso para mim. Ouvi só isso também. Não consigui concentrar em nada do que me disseram. Me deram alguns remédios, e mandaram eu me deitar, e descansar. Depois, trouxeram um suco sem gosto, e um pedaço de bolo. O bolo estava bom, mas o suco... As enfermeiras que cuidaram de mim, eram gentis e bondosas. Já as enfermeiras que cuidam de pacientes mais graves, como o esquizofrênico do quarto 15, são estúpidas e grosseiras. Não o trata direito, pobre. Me buscaram em casa hoje cedo, umas 6:00 da manhã. Não lutei contra os enfermeiros da ambulância, nem nada. Só pedi para que não colocassem a camisa de força, em mim, não era necessário. Eles me respeitaram nesse ponto. Minha mãe me olhava com ódio, da porta de casa. Eu não disse nada, queria chorar, mas não consegui. A primeira coisa que fiz quando cheguei aqui, foi ser levada a uma psquiatra, que trabalha dentro do hospício. A sala dela era bonita e aconchegante. Apesar de ser toda branca, tinha umas flores bem bonitas em um vaso azul em um canto, e no outro, um tapete rosa, todo felpudo. O símbolo do Yin e Yang estava preso em uma das paredes. Me pediu para sentar, e começou a me interrogar:
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380 dias- Diário de um hospício
Teen FictionAna Laura foi mandada para um hospício de sua cidade pela própria mãe, e lá se depara com uma vida totalmente diferente da que sempre levou. Na clínica de reabilitação mantida pelo governo, faz amizades e conhece pessoas com diversos distúrbios ment...