V- Natasha, biscoitos e livros

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Mais um mês, totalizando agora 61 dias. Não achei ninguém ainda "interessante" para escrever sobre, então decidi escrever sobre meus dias durante este mês que se passou mesmo. Estamos em Agosto agora, escreverei sobre Julho. Apesar do mês passado ter sido um mês de férias para as pessoas normais, ninguém viera nos visitar. Na verdade, minha tia veio me ver. Gosto muito de minha tia Maria, irmã de mamãe. Ela não é fanática pela religião como minha mãe, não vê pecado em tudo, e é a única pessoa da família com a qual me sinto em paz. Tia Maria é carinhosa, e me disse que está na briga para me tirar daqui logo. Disse que se minha mãe não vier por si mesma me tirar deste "castigo", ela irá brigar na justiça, pois segundo ela, sou uma pessoa sã e muito criativa, não uma maluca como todos têm pensado na igreja, e fora dela. 

Tive pena dos outros, pois nunca vi parente de alguém por aqui, vindo visitá-los. Parecem orfãos de família. Em uma das minhas consultas semanais com a psiquiatra, perguntei-lhe quantos pacientes haviam nesta clinica de reabilitação pública (chamo de hospício, pois mais parece um mesmo!), e ela me disse que são 150 ao todo. Eu lhe disse que eram muitas poucas pessoas, mas ela rebateu, dizendo que essa era a quantia de vagas que o governo deu a população, e que não teriam como mantêr ninguém mais aqui. Não rebati, e nem perguntei mais nada, pois ela iria dizer que esse tipo de assunto não cabe a mim, tal qual minha mãe fazia. Notei que a psiquiatria serve para poucos aqui também, ou seja, para os que são mais "normais" digamos. Dizem que se melhorarmos, no ponto de vista da médica, nós saimos da clinica de reabilitação e voltamos a viver como pessoas normais vivem. O problema, é que ninguém é normal, e pessoas com distúrbios mentais como nós, nunca melhoramos. 

Julho foi um mês muito divertido para mim e para Natasha. Penso que até Maggie tenha gostado, pois ela saiu mais do seu quarto para tomar sol e conversar conosco. Da última vez que escrevi, Natasha estava doente, certo? Pois bem, ela melhorou, mas ainda continua tossindo muito, e as vezes, tosse sangue. Imagino que tenha tuberculose. Pelo menos, ainda não ficou doente de cama, e já faz um bom tempo. Natasha tem sido muito especial para mim, e quando fico longe dela, fico inquieta e triste. Ela é a única pessoa que me faz rir, e consigo conversar melhor com ela a conversar com outra pessoa. Não tenho muito a contar, mas os meus sentimentos mais profundos, aqueles que não tenho coragem de demonstrar, eu conto. Tenho um diário particular para falar sobre isso, e também tenho escrito nele muitas coisas acerca do meu relacionamento com Natasha. Pretendo neste, expressar o minimo possível sobre meus sentimentos. 

No começo do mês passado, pedi a psiquiatra que pudesse ter alguns livros para ler durante o mês, pois estava meio aborrecida de não fazer nada no local. Ela considerou meu pedido, e pediu para as enfermeiras me trazerem livros toda semana. Perguntou se tinha prefêrencia por alguns, e pediu para que eu fizesse uma lista. Eu apenas disse que poderiam escolher por mim, e que preferia romances, e dramas. Ouvi ela dizer as enfermeiras, assim que eu sai:

"-Não escolham nada muito dramático, e nem muito romântico. Não quero mais distúrbios mentais por aqui."

No outro dia, me trouxeram uns livros infanto-juvenis para ler. Eu li "A ilha perdida", "O cachorrinho samba" e outros da mesma coleção. Eram livros divertidos, mas pequenos. Devorava-os em um dia. Reclamei sobre isso para a psiquiatra, e ela então mandou que pegassem para mim "O senhor dos anéis". O livro é quase uma biblia! Mas a estória é muito interessante, e eu passei aquele mês todo lendo. Além de me intupir de livros, passei momentos divertidos com Natasha. Algumas semanas atrás, estavámos andando pelos corredores do hospício, quando Natasha parou do nada, e disse:

"-Ando tendo alucinações ultimamente. Escuto barulhos de uma televisão todo dia, Ana, e temo que meus remédios estejam causando isso."

Mas quando parei e fiquei silenciosa, também comecei a escutar barulhos de um televisor ligado. Estranhei aquilo, e disse a Natasha que não era imaginação dela, e sim que havia um televisor ligado naquele momento. Resolvemos seguir as ondas sonoras, e tentar descobrir de onde vinha. Infelizmente, o barulho cessou. Ficamos três dias tentando achar a fonte do barulho, mas não conseguíamos descobrir, até que Natasha resolveu perguntar ao motorista que trabalhava no local, e que eu suspeitava ter um caso com ela. Já falei sobre isso, lembram? Pois bem, ele se negou a falar, e queria algo em troca. Sei bem o quê, mas prefiro não falar, já que não gosto quando Natasha faz essas coisas e me magoa. Ela havia prometido parar, e as vezes esqueço que ela é ninfomaníaca. Está na natureza dela.

380 dias- Diário de um hospícioOnde histórias criam vida. Descubra agora