XVI- Conversando com Judite

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Ano novo se passou, mas de novo não teve nada para mim, e nem para os meus amigos. Já fazem 200 dias. Hoje é dia 3 de janeiro de 2014, e eu estou ansiosa para sair daqui. Mas estou feliz, por uma pequena mudança de curto prazo: a minha psicóloga entrou de férias. Sim, a megéra entrou de férias, e no lugar dela, entrou uma temporariamente. Uma senhora de uns 40 anos, com o cabelo de um vermelho-acastanhado e usa um óculos com lentes de grau muito alto. O nome dela é Judite. Ela não é muito alta que nem a outra, mas não deixa de ser bonita. O jeito dela lembra o de tia Maria. E sabe o que é mais legal nela? Ela conversa com a gente. Pois é! Ela nos recebe com muito carinho e alegria, pergunta sobre a nossa vida, sobre o nosso dia-a-dia aqui... Eu só tive uma consulta com ela ontem, e estou falando de um modo como se eu tivesse tido umas mil consultas com ela, pois Maggie e Thi sentiram o mesmo que eu senti, quando entrei naquela sala. 
Ontem, como disse, tive a minha primeira consulta com ela. Uma enfermeira me levou até a porta da sala de psicologia, e ao bater na porta, ela abriu com um enorme sorriso, e me convidou a adentrar o recinto. Notei um detalhe novo na mesa da sala: um vaso de rosas vermelhas fresquinhas enfeitava o cômodo. Pensei que o vaso havia dado uma alma nova à sala toda branca e com um símbolo Yin/Yang que havia ali, mas no fim das contas, eu me dei conta que não era o vaso apenas, e sim, a própria pessoa que ali estava em minha frente. Judite deu vida a um local onde muitos não gostam de ir semanalmente, ou periodicamente. Bem, eu estava um pouco nervosa, mas o sorriso que ela me deu tinha me tranquilizado um pouco. Sentei na cadeira onde sempre sento, até porque só há duas cadeiras ali naquela sala: uma para a psicóloga, e outra para o paciente. Sentei na cadeira do paciente, e fiquei calada, olhando para ela.

"-E então?"- Judite perguntou.

"-Então... O que?"

"-Como vai?"

Estranhei a pergunta. Como vai? Como assim? E o meu nome? Minha idade? Minha situação? Eu fiquei brava, admito, na verdade sem entender. Mas eu me contive, e respondi:

"-Vou bem."

Ela levantou uma sobrancelha, e deu um sorriso irônico.

"-Ora Ana, vamos lá. Vou perguntar de novo: como vai?"

"-Como você sabe meu nome?"

"-Está na sua ficha, não? E a sua idade também. Todas as informações que preciso sobre você, está aqui nesta ficha. Um pouco de sua história, a responsável por você, seus transtornos psiquicos e etc. A única coisa que eu não sei, é como você está nesse momento."

Naquele momento as coisas começaram a fazer sentido. Eu tinha me esquecido da tal ficha, e com certeza ela iria ler antes de me atender. Como não confiava muito nela ainda, eu apenas respondia que estava bem. Mas ela não queria saber disso.

"-Bem todo mundo diz que está. Eu quero saber mais que isso."

"-Eu não estou entendendo..."

"-Olha, vou te explicar: quero que se concentre, e pense em como está se sentindo agora realmente. Quero que me conte tudo. Não precisa ter medo, apenas feche os olhos, e deixe que os seus sentimentos fale por você."

Eu fiz o que ela pediu. Ninguém nunca havia me enfrentado antes, assim como ela fez. Ela possuía uma doçura que fez com que eu confiasse nela, mesmo sendo uma estranha para mim. Cerrei meus olhos, respirei fundo, e me concentrei. Não sei quanto tempo eu fiquei assim, mas sei que eu os abri e disse tudo, tudo o que eu queria dizer.

"-Eu não estou muito bem, sabe. Eu estou ansiosa, quero sair daqui logo. Estou sofrendo, angustiada, com saudades de casa e de meus parentes. Também estou no ócio, sem fazer nada, me sentindo inútil. Mas sobre as minhas crises de raiva e automutilação, eu estou conseguindo controlar bem."

380 dias- Diário de um hospícioOnde histórias criam vida. Descubra agora