X- Consolo para Maggie

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Agora são 124 dias. Estamos em outubro. Sim, ainda sinto a falta de Maria Carolina, e parece que foi ontem que ela morrera. Nada têm sido interessante para mim, e eu só tenho me causado dor. Parei de me cortar, e agora estou me controlando para não ter um acesso de loucura. Não sei explicar o que estou sentindo, sabe, é algo que vêm de dentro de mim, e pelo qual eu não tenho controle algum. Mas eu tive que tomar uma decisão muito importante, pelo meu bem, pelo bem de Maggie, pelo Thierry e pelo Adrian.
Na semana que se seguiu depois da morte de Maria Carolina, minha tia, também chamada Maria, viera me visitar aqui na clínica. Eu não estava bem, na verdade eu ainda não estou, e não vou estar tão cedo. Enfim, tia Maria veio com todos os raios de sol que só ela possui: sempre sorridente, alegre, com todo o seu amor e carinho. Como eu queria que ela fosse minha mãe! Ou que minha mãe fosse como ela. Não entendo porque minha mãe é tão amarga e rancorosa, sendo que viveu na mesma casa que minha tia, com a mesma mãe e pai, e a mesma vida. A culpa dela ser assim, não é da minha religião. Minha mãe esconde algo, eu sei que esconde, e ela nunca me contou. Melhor eu deixar para lá, tenho sofrido demais para pensar em mais sofrimento. Tia Maria me visitou em meu próprio quarto, em uma tarde ensolarada de quinta-feira. Ela veio com muita calma, bem, calma na frente das enfermeiras, porque depois que nos deixaram a sós, ela se soltou. Eu achava engraçada. Falei para ela tudo o que estava sentindo: da minha tristeza pela morte de Maria, das tantas vezes que me cortei escondida no mês passado, e de como a psiquiatra me tratou depois de descobrir que tive surtos de novo.

“-Tentou se matar? Por favor, diga que não docinho...”

“-Sim tia, eu tentei. Mas eu não tive coragem.”

“-Deus é pai!”- ela disse, dando graças ao céus.

Ela falava, e falava, e eu muito quieta, apenas consentia com a cabeça.

“-Anime-se, flor! Você é jovem, exala juventude e vigor! Olha, a tia trouxe uma coisinha para ti.”

Ela sacou do bolso do casaco um moranguinho. Quando alguém vêm nos visitar na clínica, eles confiscam tudo do visitante: bolsa, coisas que parecem suspeitas... Não sei como ela conseguiu entrar com aquele moranguinho.

“-Tu se lembra disto aqui?”

“-Não. É um morango, não é?”

“-Uhum, sim, mas não é de comer...”

Ela pegou a minha mão, e colocou ali o moranguinho. Tinha um plástico em volta dele, e o morango também era de plástico. Mas ao sentir o cheiro artificial de morango vindo daquele objeto, logo lembrei da minha infância, e de quanto eu queria um daqueles quando pequena.

“-Tia, o que é isso?”

“-Se lembra que, quando tu era pequena, sempre quis um desse?”

“-Ah! Eu lembrei! Isso é um brilho labial de moranguinho, né?!”

“-Yéis! Ou seria Yós? Ah, tanto faz, é isso aí!”

 Quando eu era criança, sempre quis um brilho de moranguinho desses. Todas as minhas amigas tinham, na escola, mas minha mãe nunca me deu um. Ela dizia que isso desvirtuava as meninas, e que passar essas coisas na cara não era certo. Não entendia porque, sendo que esse brilho labial nem cor dava direito nos lábios. Eu sou um pouco parecida com a minha tia, tanto na aparência, como na alma. Sou tão parecida, que se minha mãe estivesse aqui, voltaria a dizer que eu exalo a mesma “vulgaridade” que minha tia. Minha tia não é vulgar, só tem a mente aberta para tudo e todos, e é bem moderna. Eu a amo muito, e espero que quando eu sair daqui, possa morar com ela. Bem, se ela quiser. Eu fiquei muito contente com o presente, e já fui passando. Minha tia me advertiu:

380 dias- Diário de um hospícioOnde histórias criam vida. Descubra agora