O encontro com os Munchkins

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  galavam cada vezmais com as coisas incríveis que contemplavam.O ciclone tinha depositado a casa com grande delicadeza – na medida em que um ciclonepode ser delicado – no meio de um campo de uma beleza extraordinária. Havia lindos trechosde relvado verde à toda volta, com árvores imponentes carregadas de frutos coloridos esaborosos. Tufos de flores cresciam de todo lado, e aves de plumagem rara e brilhantecantavam e agitavam as asas nos ramos de árvores e arbustos. Um pouco mais adiante ficavaum riacho, que corria e cintilava entre margens verdes, murmurando com uma voz que soavamuito grata para uma menina que tinha vivido tanto tempo nas pradarias secas e cinzentas.Enquanto devorava com os olhos aquelas estranhas e magníficas paisagens, Dorothy reparouque vinha caminhando na sua direção um grupo formado pelas pessoas mais esquisitas que játinha visto na vida. Não eram tão grandes como os adultos com que estava acostumada; mastampouco eram muito pequenos. Na verdade, pareciam ter mais ou menos a mesma altura deDorothy, que era alta para a idade dela, só que pareciam muitos e muitos anos mais velhos.Três deles eram homens e a outra uma mulher, e todos se vestiam de um modo fora docomum. Usavam chapéus redondos em ponta com mais ou menos um palmo e meio de altura,trazendo em volta da aba sinetas que tilintavam baixinho quando andavam. Os chapéus doshomens eram azuis; o da mulherzinha era branco, e ela usava um vestido branco que descia empregas dos seus ombros; o tecido era salpicado de estrelinhas, que brilhavam ao sol comodiamantes. Os homens vestiam azul, no mesmo tom dos chapéus, e usavam botas bemenvernizadas, com uma barra azul no alto do cano. Os homens, pensou Dorothy, deviam sermais ou menos da idade do tio Henry, pois dois deles usavam barba. Mas a mulherzinhaparecia muito mais velha: seu rosto era todo enrugado, seus cabelos, quase brancos, ecaminhava com uma certa dificuldade.Quando essas pessoas chegaram perto da casa, com Dorothy sempre de pé na porta, pararame conversaram baixinho entre elas, como se estivessem com medo de avançar mais. Mas avelhinha caminhou até Dorothy, fez-lhe uma reverência profunda e disse, com uma voz muitodoce:– Bem-vinda, nobre feiticeira, ao País dos Munchkins. Queremos lhe agradecer por termatado a Bruxa Má do Leste, libertando o nosso povo da escravidão.Dorothy ouviu espantadíssima essas palavras. O que aquela velhinha queria dizer comaquela história de ela ser uma feiticeira, e de ter matado a Bruxa Má do Leste? Dorothy erauma garota inocente e inofensiva, que tinha sido arrastada por um ciclone para muito longe decasa, e nunca tinha matado nada e nem ninguém a vida inteira.Mas a mulherzinha dava todos os sinais de estar esperando uma resposta; e Dorothy lhedisse, hesitando muito:– É muita bondade sua; mas deve ter havido algum engano. Eu não matei ninguém.E a velhinha respondeu com uma risada:– A sua casa, pelo menos, matou, o que é a mesma coisa. Olhe só! – continuou ela,apontando para um dos cantos da casa. – Ali estão os dois pés dela, ainda aparecendo debaixodessa peça de madeira.Dorothy olhou e deu um grito de espanto. Realmente, bem debaixo do canto onde se apoiavaa viga principal da casa, viam-se dois pés, calçando sapatos de prata de bico bem fino.– Minha nossa! Minha nossa! – gritou Dorothy, torcendo as mãos de aflição. – A casa deveter caído em cima dela. O que a gente pode fazer?– Não há nada mais a fazer – disse calmamente a velhinha.– Mas quem era ela? – perguntou Dorothy.– A Bruxa Má do Leste, como eu já disse – explicou a mulherzinha. – Os Munchkins foramtodos escravos dela por muitos e muitos anos, e eram obrigados a trabalhar dia e noite otempo todo. Agora estão livres, e muito gratos a você pelo favor que fez.– Quem são os Munchkins? – perguntou Dorothy.– As pessoas que moram neste País do Leste, e antes eram dominadas pela Bruxa Má.– A senhora também é Munchkin? – perguntou Dorothy.– Não; mas sou amiga deles, apesar de morar no País do Norte. Quando viram que a Bruxado Leste tinha morrido, os Munchkins mandaram me avisar e eu vim na mesma hora. Eu sou aBruxa do Norte.– Ora vejam! – exclamou Dorothy. – Uma bruxa de verdade?– Sim, é claro – respondeu a velhinha. – Mas sou uma bruxa boa, e todo mundo gosta demim. Só não sou tão poderosa quanto era a Bruxa Má que reinava por aqui, senão eu mesmateria libertado os seus escravos.– Mas sempre achei que todas as bruxas eram más – disse a menina, que sentia um pouco demedo por se ver diante de uma bruxa de verdade.– Ah, não, este é um erro dos maiores. Só havia quatro bruxas em toda a Terra de Oz, e duasdelas, as que vivem no Norte e no Sul, são boas. E sei que isso é verdade, porque uma delassou eu mesma. As do Leste e do Oeste é que eram bruxas más; mas agora você matou umadelas e sobrou só uma bruxa má em toda a Terra de Oz: a que vive no Oeste.E Dorothy disse, depois de pensar um bocado:– Mas tia Em me contou que todas as bruxas morreram há muitos e muitos anos.– Quem é tia Em? – perguntou a velhinha.– A minha tia que mora no Kansas, de onde eu vim.A Bruxa do Norte deu a impressão de refletir por algum tempo, com a cabeça baixa e osolhos postos no chão. Em seguida, levantou os olhos e disse:– Não sei onde fica o Kansas, pois nunca ouvi falar desse país. Mas me diga, são terrascivilizadas?– Ah, sim! – respondeu Dorothy.– Então isso explica tudo. Nas terras civilizadas, acho que não sobrou nenhuma bruxa; nemmágicos, nem feiticeiras e nem bruxos. Mas a Terra de Oz nunca foi civilizada, porquevivemos separados do resto do mundo. E é por isso que ainda temos bruxas, feiticeiros emagos.– Quem são os mágicos? – perguntou Dorothy.– O próprio Oz é o Grande Mágico – respondeu a Bruxa, baixando sua voz a um murmúrio. –Ele é mais poderoso que todos os outros juntos, e vive na Cidade das Esmeraldas.Dorothy já ia fazer outra pergunta, mas exatamente nesse instante os Munchkins, que atéentão estavam parados em silêncio, deram um grito e apontaram para o canto da casa ondeantes estava estendida a Bruxa Má.– O que foi? – perguntou a velhinha.Depois ela olhou, e começou a rir. Os pés da bruxa morta tinham sumidocompletamente, e agora só tinham ficado os seus sapatos de prata.– Ela estava tão velha – explicou a Bruxa do Norte – que secou depressacom o calor do sol. E desapareceu. Mas os Sapatos de Prata são seus, evocê pode usar.Abaixou-se e pegou os Sapatos, e depois de espanar a poeira que oscobria entregou o par a Dorothy.– A Bruxa do Leste tinha muito orgulho desses sapatos – disse um dosMunchkins – e eles têm algum poder mágico; mas nunca soubemos qual era.Dorothy levou os Sapatos para dentro de casa e pôs em cima da mesa.Em seguida, saiu de novo e se dirigiu aos Munchkins:– Estou ansiosa para voltar para a minha tia e o meu tio, porque sei que eles devem estarpreocupados comigo. Podem me ajudar a encontrar o caminho?Os Munchkins e a Bruxa primeiro trocaram olhares, depois olharam para Dorothy eabanaram a cabeça.– No Leste, não muito longe daqui – disse um deles –, fica um deserto imenso, que ninguémjamais conseguiu atravessar e sair vivo.– É a mesma coisa no Sul – disse outro. – Já estive lá e vi. O Sul é a terra dos Quadlings.– E eu ouvi dizer – disse o terceiro homem – que a mesma coisa acontece no Oeste. E queessa região, onde vivem os Winkies, é governada pela Bruxa Má do Oeste, que escraviza todomundo que passa por lá.– Eu vivo no Norte – disse a velhinha. – E além de lá fica o mesmo deserto que cerca todaesta Terra de Oz. Infelizmente, minha querida, acho que você vai ter de ficar conosco.Nisso Dorothy começou a soluçar, pois se ver no meio de tanta gente estranha a fazia sentirsemuito só. E suas lágrimas pareceram comover os generosos Munchkins, que imediatamentepegaram seus lenços e começaram a chorar também. Quanto à velhinha, tirou o chapéu, queequilibrou virado para cima na ponta do nariz, enquanto contava "um, dois, três" numa vozsolene. Na mesma hora o chapéu se transformou numa lousa, em que aparecia escrito em letrasimensas de giz:"DOROTHY DEVE IR PARA A CIDADE DAS ESMERALDAS."A velhinha tirou a lousa de cima do nariz e, depois de ler as palavras escritas, perguntou:– O seu nome é Dorothy, querida?– É – respondeu a menina, erguendo os olhos e enxugando as lágrimas.– Então você precisa ir para a Cidade das Esmeraldas. Talvez Oz possa ajudar você.– E onde fica essa cidade? – perguntou Dorothy.– Fica exatamente no centro de toda essa terra, e é governada por Oz, o Grande Mágico dequem eu lhe falei.– E ele é um homem bom? – perguntou Dorothy, ansiosa.– É um bom mágico. Se é ou não um homem não sei dizer, porque nunca estive com ele empessoa.– E como eu chego lá? – perguntou Dorothy.– Caminhando. É uma longa viagem, atravessando às vezes regiões agradáveis e às vezesregiões horríveis e escuras. Mas vou usar todas as artes mágicas que conheço para mantervocê a salvo.– E não quer vir comigo? – perguntou a garota, para quem a velhinha se transformara naúnica amiga que possuía.– Não, não posso – respondeu ela. – Mas lhe darei o meu beijo. E ninguém se atreve a fazermal a uma pessoa que foi beijada pela Bruxa do Norte.Aproximou-se de Dorothy e deu-lhe um beijo suave na testa. No ponto onde tocaram a peleda menina, seus lábios deixaram uma marca redonda e brilhante, como Dorothy descobriu logodepois.– A estrada para a Cidade das Esmeraldas é toda calçada de tijolos amarelos – disse aBruxa. – Você não tem como se perder. Quando estiver com Oz, não tenha medo: conte a suahistória e peça a ajuda dele. Adeus, minha querida.Os três Munchkins fizeram uma reverência profunda diante de Dorothy, e lhe desejaram umaboa viagem antes de saírem andando pelo meio das árvores. A Bruxa fez um gesto amigávelcom a cabeça para Dorothy, rodopiou três vezes em torno do calcanhar esquerdo e na mesmahora desapareceu, para grande surpresa do pequeno Totó, que ficou latindo muito alto: comela por perto, nem havia tido coragem de rosnar.Mas Dorothy, sabendo que ela era uma bruxa, já esperava que desaparecesse sem aviso, enão ficou nem um pouco impressionada.  

MAGICO DE OZWhere stories live. Discover now