Já era quase 1 da manhã quando cheguei na porta de casa. Minutos antes, ainda no taxi, respirei fundo e limpei as lágrimas, não queria correr o risco de encontrar meus pais e eles começarem a perguntar o motivo do meu choro. Se perguntassem sobre os olhos vermelhos e sobre ter chegado tão cedo em casa, colocaria a culpa no sono. Paguei o taxista e desci do carro, respirando profundamente. As luzes de casa estavam apagadas e eu suspirei aliviada por ver que meus pais estavam dormindo. Entrei em casa calmamente, tentando não fazer tanto barulho e subi para meu quarto o mais rápido que pude.
Chegando lá, me joguei na cama e uma lágrima solitária escorreu. Eu estava com tanta raiva que tudo o que pude pensar era que não me permitiria derramar mais uma lágrima por ele. Richard me tirou tudo o que podia , tirou a minha paz. Parei para pensar mais um pouco e erroneamente, me culpei. Me culpei por ainda permitir que ele me afetasse tanto, por acreditar em todas as suas mentiras pelo medo e pela carência. Eu sei que não devia, mas era muito difícil não pensar que eu tinha minha parcela de culpa, mesmo que indiretamente. Eu não podia me culpar por amá-lo, por me dedicar, por ser correta com ele... Mas podia de certa forma aceitar que eu via o que queria ver, mesmo quando todos me davam leves toques sobre como eu estava sendo enganada. Eu nunca quis enxergar a realidade. Talvez por estar apaixonada demais, talvez por saber da nossa intimidade e ver a sua dedicação comigo, que no final das contas, era outra mentira.
Olhando para o teto do meu quarto, senti outra lágrima cair. Levantei, sentando na cama com uma raiva inevitável tomando conta de mim, mas mais que isso, levantei com uma determinação que nunca senti na vida. A partir de hoje, eu nunca mais sofreria por Richard! Aproveitaria o primeiro dia do ano pra virar a minha vida do avesso. Assim que voltasse à Detroit, curtiria minha vida, faria novas amizades, sairia mesmo que sozinha e pegaria mais leve no trabalho. Afinal, já tinha decidido que contrataria alguém para me ajudar, isso me facilitaria a vida, tanto no escritório quanto fora dele. Não queria mais ser uma pessoa que só falava casualmente com as pessoas onde eu morava. Nesses últimos anos, eu não tinha vontade de sair, me sentia bem indo apenas para o trabalho. Tudo o que precisava eu tinha em casa, e me permiti acreditar que eu não precisava de vida social, de amigos... Mas isso estava prestes a mudar.
Levantei da cama e fui em direção ao banheiro, para uma ducha rápida. Antes de tirar a roupa e os acessórios, eu me olhei no espelho. Esse vestido realmente era angelical, ainda que fosse sensual. Se outra pessoa me dissesse aquilo, eu agradeceria, mas Richard? Era um pesadelo. Tirei a roupa e tudo mais e entrei no box. Deixei a água quente escorrer pelas costas por alguns minutos, para poder me livrar de toda a tensão da noite. Já estava me sentindo um pouco melhor e eu não sabia como eu havia transformado tanta tensão, decepção e tristeza em pura determinação. Eu nunca fui o tipo de pessoa que tinha uma força de vontade invejável, sempre fui o tipo que se alguma coisa me causasse desanimo ou dava errado, jogava tudo pro alto e me entregava à tristeza. Mas eu não permitiria que isso acontecesse dessa vez, não mais.
Sai do banho, coloquei um pijama e me deitei. Comecei a planejar os meus próximos passos para a grande mudança. Assim que chegasse em Detroit, compraria móveis para o escritório antes de começar as entrevistas. Assim que encontrasse alguém para o cargo, começaria a sair mais, ao menos uma vez por semana. Estava louca para colocar tudo em ação! Quem sabe a pessoa que eu contratasse fosse uma mulher e pudéssemos ser amigas, quem sabe ela me ajudaria nessa nova fase. Mas também poderia ser uma garota totalmente fechada ou extremamente competitiva. Infelizmente ainda era mais fácil para algumas mulheres se enxergarem mais como rivais que como amigas. Esse pensamento me deixou triste, por que seria muito ruim ter uma pessoa desse tipo trabalhando para mim. Eu gostava de conversar com as pessoas, de ajudar... E ficaria constrangida ao ver que não era correspondida, afinal, conviveria com a pessoa diariamente e não seria possível trabalhar prazerosamente com alguém que eu não me desse bem.
Decidi que não deveria mais pensar tanto sobre isso, que deixaria as coisas se acertarem com o tempo. O sono chegou, finalmente, e eu consegui aos poucos relaxar. Lembrei de como o dia foi uma verdadeira montanha-russa, comecei o dia mega animada para me divertir, sem nem imaginar quem encontraria. Dei uma risada baixinha por que isso parecia uma piada de péssimo gosto... Com esse pensamento, caí no sono.
***
Acordei na manhã me sentindo bem, por incrível que pareça. Só consegui pegar no sono às 3h00 e mesmo assim não estava me sentindo cansada. Amanhã eu voltaria para Detroit e precisava fazer minha mala logo, não queria deixar para a última hora. Eu amava ficar na casa dos meus pais, mas confesso que depois da noite de ontem, eu queria voltar para Detroit o mais rápido possível. Estava extremamente animada para colocar logo meus planos em prática.
Levantei da cama num pulo, lavei o rosto e depois tomei café rapidamente. Logo subi para começar a arrumar minha mala. Mamãe parou na porta do quarto.
— Querida, está com tanta pressa assim em nos deixar?— perguntou, num tom de voz triste ao ver minha mala na cama.
— Claro que não, mamãe!— eu sorri para ela.— Só não quero deixar para a última hora, afinal, se eu me livrar logo dessa tarefa, eu posso aproveitar mais as últimas horas com vocês.
— Realmente é um bom argumento! O que pretende fazer hoje? — perguntou.
— Eu adoraria convidar você e papai para almoçar perto da praia, se vocês puderem, claro.
— Claro que podemos, não perderíamos isso por nada!— ela respondeu alegremente.
— Bom, eu creio que dentro de uma hora eu já acabei de arrumar a mala e devo estar pronta 30 minutos depois. Tudo bem para vocês?— perguntei, pegando roupas e colocando dentro da mala.
— Tudo ótimo, eu vou avisar seu pai. Ele foi à loja, mas disse que não demoraria.— Mamãe disse, saindo do quarto.
Me apressei na tarefa de arrumar a mala e tudo estava saindo como planejado. Tomei um banho rápido e me arrumei. Desci para a sala e meus pais já me esperavam ansiosos. A ida até o restaurante não demorou mais que 20 minutos. Chegamos lá e fomos levados para a nossa mesa e o garçom já anotou nossos pedidos, já que já estávamos acostumados com o restaurante e tínhamos nossos pedidos na ponta da língua. Cerca de 20 minutos depois, decidi ir ao banheiro e não pude acreditar quando dei de cara com Richard saindo do banheiro masculino.
— Só pode ser brincadeira.— resmunguei com um sorriso amarelo.
— Margot!— Richard falou, com uma cara de susto.
— Richard...— falei seu nome com um traço de desprezo.
— Margot, me desculpe por ontem, de verdade! Eu não tinha a intenção de estragar sua noite, eu juro! Na verdade eu nem sabia que vocês estav... — ele falou rápido, quase sem respirar.
— Richard,— eu o interrompi.— de verdade. Você não estragou nada, você não tem tanto poder assim. Sim, eu fiquei com raiva, mas creio que o que te disse foi tudo o que estava entalado na minha garganta desde que fui embora, e vamos admitir... Você mereceu. Inclusive o tapa.
— Sim, eu mereci tudo.— ele disse, abaixando a cabeça.
— Bom, agora tudo voltou ao normal. Preciso ir.— eu disse e abri a porta do banheiro. Ele ainda abriu a boca na intenção de me dizer algo, mas fingi que não vi. Não tinha motivo para escutá-lo mais.
Entrei no banheiro totalmente calma. Eu mal pude acreditar no meu auto controle e na minha serenidade. Parece que finalmente eu tinha me livrado do veneno de Richard. Eu não sentia nada, absolutamente nada. Não sentia raiva, não sentia mágoa, nada. Ele parecia indiferente para mim... Eu sei que isso soa como um passe de mágica maluco, mas era a mais pura verdade! Eu simplesmente o vi e não consegui sentir nada. Eu abri um sorriso em frente ao espelho em sinal de vitória. Quem diria que um tapa bem dado e umas boas verdades ditas na cara de quem nos fez mal, faria tão bem? Talvez fosse isso o que eu tanto buscava: um encerramento! Talvez estar longe e não ter dito nada para ele, fosse o que ainda me prendia à ele. Nunca imaginei que a solução seria tão simples, mas talvez eu deva isso ao fato de que tive tempo para me restabelecer durante algum tempo antes do confronto. Eu estava tão aliviada em me sentir assim! Sorri novamente para o espelho.
— Mal posso esperar pela minha nova fase em Detroit! — disse para o reflexo no espelho.
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Holding Onto Heaven
RomanceAviso: A história originalmente foi pensada para ser um livro erótico, porém os personagens me levaram para outro caminho, então depois de muito pensar, decidi que seria melhor seguir a história como um romance mais doce e deixar o projeto de um li...