Capítulo 1 - Crisálida

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Olho meu reflexo através do vidro escuro de um Volvo estacionado no meio-fio. Como sempre, nada mal. Passo uma mão no cabelo para arrumá-lo e volto a patinar. Dou uma espiada novamente para ver o endereço do destino da encomenda. É uma caixa pequena, meio pesada, meio leve, com três fantásticos CDs dentro.

Trabalho como entregador na Discos e Livros faz alguns meses. Eu até gosto deste emprego, minha cabeça fica livre e sem pensamentos absurdos. Mas tenho uma restrição com meus pais: não posso chegar depois das dez da noite. Eles acham que eu não sei me cuidar só, ou que possa estar com um baseado por aí com a galera da pesada. Eu até gosto de patinar pela cidade, depois de duas semanas eu já tinha aprendido a fazer manobras que qualquer criança faria.

Também tenho um limite rígido nas rotas. Não posso fazer entregas por toda a cidade de Seattle, apenas aos redores de onde moro. Uma van vem deixar os produtos na minha casa diariamente. Eu acho interessante e prático, já que eu conheço todos os extremos do meu bairro decorado. Fazer o que eu sei é mais fácil.

Freio as rodinhas dos patins e confiro o endereço. É aqui. Uma casa pequena nos fundos de um gramado extenso. Seguindo pelo estreito caminho de pedras, aproximo-me da porta e toco a campainha duas vezes. Levou apenas uma semana para eu aprender a me equilibrar em cima de rodinhas sem virar farofa no chão.

— Entrega da Discos e Livros — anuncio, com minha típica voz de ganso.

A porta é rapidamente aberta por uma mulher loira, no seu braço tem um aglomerado de pulseiras balançantes. Ela abre um sorriso e aponta seu celular caro para mim, com um flash muito forte. Ela dá alguns passos para trás e um homem aparece por trás dela. Um homem muito bonito. Ele tem um penteado platinado e barba detalhada. Os dois devem ter menos de vinte e cinco.

Levo a caneta até a boca enquanto confiro o nome dele escrito na prancheta.

— Erhm... Zain? — Pronuncio, colocando ênfase na letra A.

— O correto é "Zêin" — corrige com um sorriso suspeito no rosto. A garota atrás dele continua gravando. Isso é um daqueles canais famosos em que o pessoal grava unboxing de encomendas?

Confiro com ele todos os CDs. São três álbuns de bandas diferentes, todas possuem o gênero pop e rock eletrônico — eu já os ouvi. Ele tem um gosto musical bem legal. Ele faz que sim com a cabeça.

— Assine aqui, por favor. — Estendo a prancheta para ele junto com a caneta. Ele assina com letras cursivas o nome Zayn. Com Y.

Enquanto confiro minhas encomendas, o cara platinado rasga o lacre do pacote. Pega o primeiro álbum, abre e tira o CD. Com apenas uma mão, ele dobra o disco, fazendo-o quebrar com um estalo. Quê? Depois, pega o segundo álbum e simplesmente o joga no chão com bruta força, fazendo a case de acrílico rachar. Sua perna vira uma bigorna quando ele desfere dá apenas uma pisada, bem pesada e bem forte, destruindo o que sobrou do CD.

Ah. Se não queria os CDs, poderia ter me dado.

A garota loira atrás dele ri e passa para ele uma garrafa de vodca e ele despeja todo o líquido dentro da caixa onde o último álbum está, saca do bolso um isqueiro barato e o deixa cair no pacote, que vira uma pequena fogueira rapidamente. Ele pega os destroços dos outros CDs e os joga no fogo. Cadê os marshmallows?

Por um momento, eu me sinto um idiota por ter continuado aqui e ver ele destruir tudo. Ele se curva, fazendo reverencia para mim, se vira para trás e também faz reverencia para a garota, ou para a câmera... E então ouço aquele som de grana na conta. Ele está jogando aquele jogo ridículo?

Enrubesço, mostro o dedo do meio para o remetente e saio patinando pelas ruas. Ainda posso ouvi-lo pedir para esperar, mas não ligo. Que babaca. Eu aceitei esse emprego justamente para deixar meus pensamentos longe desse jogo, mas até aqui sou perseguido.

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