Trato Desfeito

Capítulo 9

  Eles nem se deram ao trabalho de nos vendar enquanto nos empurravam para dentro da van. Primeiro cogitei ser um sinal explícito de que nos matariam, depois percebi que deveria ter sido a mando de Howard, para que eu tivesse uma visão perfeita de sua expressão vitoriosa. Remexi-me, desconfortável por estar sentada entre os dois capangas de Dorian. Sentia a vibração típica dos lobisomens saindo de suas peles.

Em falar em Dorian... Seus olhos escuros encontravam os meus eventualmente através do espelho retrovisor e ele nem hesitava ao demonstrar todo o ódio que sentia por mim. Abusando um pouco da minha sorte, sorri docemente para ele, ganhando um rosnado em resposta. Howard inclinou seu corpo na minha direção chamando a atenção para ele. Seus olhos azuis brilhavam divertidos.

— Sempre admirei essa sua ousadia — ele declarou sorrindo. Tornou a se recostar no banco e pôs as mãos atrás da cabeça, descontraído. — Pena que você tem a péssima mania de se meter com as pessoas erradas, Faye — ele balançou a cabeça como se lamentasse. — Se tivesse apenas seguido o curso das coisas e vivido passivamente, como uma súcubo comportada faria, não estaríamos aqui. Dei-te uma ótima vida, Faye. Imortalidade, beleza, sedução, tudo o que uma mulher mataria para ter e os homens desejam. Mas você me traiu ao escolher quebrar o nosso pacto — deu um riso sarcástico. — Como se as coisas fossem se resolver fácil assim — bufou.

Pressionei os lábios juntos, evitando que os inúmeros desaforos escapassem e esse fosse o veredicto para a minha morte iminente. Dei um olhar de canto para Roman enquanto apertava minhas mãos em minhas calças jeans em uma tentativa de me distrair da raiva em meu peito. Tinha apenas um lobisomem entre eu e Roman, porém parecia que estávamos a quilômetros de distância. Seus olhos cinza estavam fixos no banco da frente e seu corpo estava tenso.

Parecendo sentir, ele me encarou. Meus pelos se arrepiaram com a intensidade de seu olhar na minha direção. E pensar que poucas horas atrás estávamos rolando nos lençóis e no tapete fofo do quarto do hotel, enquanto ele venerava o meu corpo. Esquecendo-me que Howard estava monitorando todos os meus movimentos minuciosamente, deixei que um suspiro escapasse por meus lábios. O som do riso do demônio me fez recobrar a consciência de minha atual situação.

— Veja como a sorte está me sorrindo — ele continuou com seu discurso da vitória. — Além de arrumar um ótimo aliado... — indicou Dorian, que ainda mantinha os olhos escuros e raivosos em mim. — Ainda capturei minha súcubo rebelde e seu fiel escudeiro — , sua cabeça pendeu para o lado como se ele estivesse curioso. — Um Nephilim querendo redenção do céu, eu suponho — ele disse se dirigindo diretamente a Roman.

Roman nem piscou diante da provocação e permaneceu em sua posição tensa. Minhas mãos se fecharam em minha calça jeans e eu tive muita dificuldade em controlar minha respiração. Tantos anos, sempre partindo para ação e depois para a conversa, não tinham ajudado muito com aperfeiçoamento de meu autocontrole. O carro balançava conforme seguíamos para o fundo de Las Vegas e me permiti olhar para as janelas escuras em busca de uma indicação de onde estávamos.

— Esse é o problema de vocês — Howard disse olhando de Roman para mim, e então de volta para ele. — Acham que podem conseguir mudar o que são — balançou a cabeça e deixou que sua atenção se voltasse totalmente para mim. — Estou muito magoado com você, Faye. Só que, como disse antes, admiro a sua ousadia. Não veja isso com algo pessoal, são apenas negócios. Se fosse apenas por mim, teria quebrado alguns ossos seus e observado você agonizando. Porém trato é trato. Ou melhor, pacto é pacto.

Aquilo me chamou a atenção. Porém, antes que eu pudesse pronunciar uma palavra sequer, captei a repreensão vinda de Roman e encolhi os ombros. Howard retomou a sua observação de nossas reações e – finalmente – preferiu calar a boca. Não que aquilo fosse uma coisa boa. Howard em silêncio significava que estava desconfiando de algo. Naquele momento tive que me esforçar para não sorrir por ele estar tentando imaginar o que estávamos planejando. Por mais que fosse bastante óbvio.