Capítulo Extra - O Pecado Em Meu Corpo

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Ano de 1711...

— Peça perdão pelos seus pecados, Faye — minha mãe sussurrou antes de se ajoelhar ao meu lado.

Assenti, juntando as mãos na frente do meu rosto e evitando fazer uma careta por conta do peso dos panos que compunham meu vestido. Alguns fios ruivos do meu cabelo se soltaram, roçando em minhas bochechas enquanto abaixava a cabeça e demoro a fechar os olhos, querendo evitar as imagens que poderiam invadir minha mente sem a minha permissão. Minha mãe tinha razão. Eu era uma pecadora, mesmo que não tivesse pecado.

Tudo em mim inspirava a luxúria, segundo o meu pai. Nenhuma das minhas irmãs possuía os meus longos cabelos ruivos e ondulados, que por muitos eram elogiados e invejados, diferente do loiro que Josephine e Genevieve expunham com orgulhos. Os olhos eram semelhantes – um verde brilhante que poderia facilmente ser comparado a uma esmeralda, ou uma esmeralda poderia ser comparada aos nossos olhos – acompanhados de uma pele marfim e lábios cheios. Sempre fui uma busca ao pecado, mas minhas irmãs tinham se casado, o que nos diferenciava em muito.

— Feche os olhos, Faye — minha mãe sussurrou irritada.

Respirei fundo, lutando com a escuridão que preenchia meu peito e fechei os olhos. Praticamente no mesmo instante as cruas lembranças me dominaram e pressionei os lábios juntos, impedindo que meu choro fosse ressoado por toda a igreja. Era como se suas mãos estivessem por meu corpo, me desbravando e invadindo. Arfei, abrindo os olhos com força e enfiei o rosto por entre as mãos, encolhendo os ombros para que não ficasse evidente o quanto tremiam.

— Comporte-se — minha mãe repreendeu segurando meu braço com força. — Se você ousar abrir o bico...

Abaixei os olhos, mexendo a cabeça.

— Isso, seja uma boa menina. — soltou-me juntando as mãos novamente e bufou. — A culpa é sua. Se tivesse arrumado um marido, não estaria passando por isso e nem me faria sofrer também. Não queria ser bela, agora lide com as consequências.

Reprimi a raiva que preenchia o meu peito e apenas esperei que a missa acabasse e que minha mãe cumprimentasse a todos. Permaneci com o habitual sorriso forçado grudado em meus lábios até que minha mãe e Kiara – nossa dama de acompanhamento – indicassem que estava na hora de retornar a nossa casa.

— Vou contar ao seu pai o que aconteceu — ela disse assim que a subimos na carruagem e o cocheiro fechou a porta. — Se alguém de Dreux suspeitar, ele pode ser preso, sabia? Ou pior, morto. E como vamos nos sustentar? Teremos que morar com suas irmãs e ser um fardo. É isso o que quer? Ser um fardo para as suas irmãs?

— Não, mãe. — respondi em voz baixa.

— Foi o que pensei. Então se comporte.

Concordei balançando a cabeça e voltei minha atenção para a rua. Franzi o cenho vendo um homem parado me encarando com um meio sorriso nos lábios. Seus olhos azuis por mais que fossem escuros, pareciam queimar em minha direção e seus cabelos escuros estavam penteados para trás, expondo seu belo rosto. Por mais que sua beleza fizesse com que muitas jovens lhe dessem um segundo olhar, tinha algo nele que me incomodou.

Só percebi que estava encarando por muito tempo quando recebei um pigarreio de repreensão vindo de Kiara. Abaixei os olhos para minhas mãos e me mantive assim até chegarmos em casa. Um frio subiu por minha espinha quando o cheiro dele invadiu minhas narinas.

— Já estava ficando preocupado. — me pai disse olhando para mim com doçura exagerada. Engoli a seco e ele desviou a atenção para minha mãe. — Foi tudo bem?

A encarei, esperando que contasse de como quase deslizei na igreja, mas ela pareceu mudar de ideia no último instante. Forçou um sorriso e sinalizou para que Kiara a seguisse para o andar de cima. Ameacei segui-las quando fui segurada por meu pai. Ele parou na minha frente, encostando seu braço no meu e fazendo-me pestanejar.

Trato DesfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora