9 - Entre a cruz e a espada

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Naquele momento Vanessa se encontrava no silêncio do seu quarto, acariciando Fred que dormia quietinho em cima de sua barriga, as vezes ronronava, as vezes fazia um carinho na mão de sua dona e suspirava. Mas não estava pensando, estava sentindo aquele silencio dentro dela, aquilo era como se o seu universo estivesse dentro daquele quarto dançando o seu balé cósmico que vimos em todo documentário sobre o assunto. Mas o que ela sente? O que está sentindo? Não importa naquele momento, naquele instante que estava em comunhão consigo mesmo e com tudo que acha importante.

– Alô – levanta e atende o telefone que tocou de repente.

– Alô querida! Aqui é a mamãe...olha, seu pai passou mal a noite com febre e vamos ter que adiar até ele melhorar para ir aí te ver, mas não se preocupe, seu pai só tem uma gripe.

– Tá bom mãe – virou os olhos de alivio – Fala pro pai se cuidar porque ele não é mais jovenzinho, tem que se cuidar, quando der ele vem me ver – na verdade Vanessa respirou aliviada.

– Tudo bem, querida! Vou ter que desligar porque vou ter que comprar remédio para meu "filho" mais velho – as duas deram risada – Outra hora te ligo mais tarde, um beijo meu amor!

Vanessa, às vezes, sentia remorso de não querer conviver muito com seu pai e não querer ele ficar cuidando muito da sua vida. Mas só ela sabe de tudo que conquistou e que ainda vai conquistar com sua mania de ser resolvida, sua mente sempre focava em seu objetivo e seu objetivo era ser uma mulher independente. Lembrava no tempo que era mais "jovenzinha" que era tímida, que havia uma timidez de não falar com ninguém porque seu pai era super protetor, quase colocou uma redoma de vidro em sua volta. E, no entanto, hoje, quando vê o quanto cresceu longe do seu pai, tinha certeza que não queria ele controlando seus passos e suas certezas de uma vitória sua, mas tinha que parar com seus pensamentos porque tinha que trabalhar. Esperando o computador ligar, lembrou do seu primeiro beijo de verdade com Vlad, porque houve sim no passado alguns beijos roubados, alguns "selinhos", mas beijo apaixonado só o dele. O que sentia por Vlad, transcendia qualquer pensamento metafisico que construíram ao longo de milênios de religião e de tentativas de uma verdadeira espiritualidade. Uma mente vazia que só focasse no agora, era melhor do que uma mente que escravizasse o ser humano do seu objetivo que puseram ao longo de séculos, sem pensar não somos nada. Mas se pensarmos muito, também não podemos focar o que queremos e não vamos unos alienar? O agora que é importante, ela, o computador, aquele objetivo de terminar o site, uma mente serena, o amor em seu coração, era sua verdadeira meta. Será que sua verdadeira meta era seu amor por Vladimir? Não sabia responder.

"Oi meu amor, hoje senti saudade de você nesse frio apartamento, meus pais não vêm para cá, meu pai está doente, vem aqui ficar comigo. Beijos da sua deusa dos cabelos de fogo".

Enviou para Vlad começou a trabalhar no site que tinha que entregar naquela semana, pois estava até atrasado, embora Vanessa tenha rapidez, ela sabia que tinha que correr com aquilo. O que ela não sabia e se soubesse não iria aceitar, que na verdade o rapaz que contrata ela para fazer site é colega do seu pai e aquele dinheiro que ele paga por pagina, é na verdade, dinheiro que seu pai colocava em sua conta no nome desse colega. Tudo que tinha, as coisas que comprava, tudo isso na verdade, era seu pai que mandava dinheiro para ela comprar. Afinal, num mundo tão preconceituoso como o nosso, que crianças com síndrome de down são abordadas em alguns países, que pessoas cadeirantes não tinham o que fazer e nem como trafegar nas ruas, iriam confiar em contratar uma pessoa com deficiência para fazer míseros sites? O mundo pode ter evoluído em tecnologia, pois o mundo tecnológico deu um salto significativo dentro da humanidade, mas nenhum salto foi dado dentro da moral e da ética. Todos os tipos de pessoas com seus vícios, traumas, maldades, malicias, usam essa mesma tecnologia como arma para conseguir fazer o que tanto desejam. O ser humano não é um ser ético, não mesmo, principalmente quando se trata dos seus desejos que lhe dão um falso "eu", uma máscara que usamos para sermos aceitos na sociedade. As sociedades humanas são muito mais cruéis do que qualquer matilha de lobos, porque sempre o homem vai ser o lobo do próprio homem, em vícios, em impor no outro o que mais deseja, mas muitas vezes, o que deseja não é seu próprio desejo.

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