Prólogo

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Eu nunca quis mudar. Ou talvez tivesse medo. É, era isso, é isso, eu tinha medo, e ainda tenho, da mudança e das coisas que fazem questão de vir como consequência dela. Como o esquecimento, com o passar do tempo você começa a esquecer dos rostos das pessoas, os lugares, os cheiros, os detalhes e por mais que você tente algo te impede de trazer a tona tais lembranças. Dezesseis anos de memórias condenadas ao esquecimento, à um buraco escuro e profundo em meu cérebro.

Por dezesseis anos toda a minha vida tinha sido planejada. Nada nunca mudava, tudo seguia seu curso previsível e correto. Era por isso que eu tinha medo. E por uma inocente brincadeirinha da vida, isso mudou. O fato de que nada nunca mudava simplesmente mudou. E essa mudança, essa sutil mudança foi o suficiente pra fazer tudo desmoronar. Foi o suficiente para fazer com que eu perdesse tudo. Tudo que, de acordo com os planos, seria meu pro resto da minha vidinha entediante, tudo que eu achei que nunca, em hipótese alguma, iria perder. Todas aquelas pessoas para quem eu não queria dizer adeus, tudo aquilo que sempre foi meu.

Que tipo de pessoa se apaixona por alguém que nem conhece? Apenas por algumas trocas de olhares? E a parte mais estranha é que eu também não me apaixonava pela aparência, na maioria das vezes achava-os feios. Eu me apaixonava pela personalidade que eu imaginava que a pessoa tinha, eu me apaixonava por algo que nem sequer existia, por algo criado em minha mente, me apaixonava por como eu queria que ele fosse. Mas eles nunca eram como eu imaginava, geralmente eram totalmente o oposto. Nunca algo ruim tinha acontecido em decorrência disso somente algumas lágrimas quando a ilusão acabava.

Eu sempre fui extremamente tímida, tinha vergonha até de respirar. Muitas pessoas interpretavam minha timidez como falta de educação, mas não era, não é, nunca foi. Eu só não conseguia falar com as pessoas, elas me diziam um simples "oi" e meu rosto queimava, os batimentos de meu coração disparavam, meu estômago se embrulhava, minhas mãos suavam e as palavras me faltavam. E eu nem precisava estar apaixonada pela pessoa para que tudo isso ocorresse.

Quando algo constrangedor acontecia na escola lembro-me de sentir as lágrimas transbordando em meus olhos, minha garganta ardendo, e eu me esforçando pra não chorar na frente de todo mundo. Eu não sabia o que fazer. Tudo estava desmoronando ao meu redor, tudo parecia estar sempre desmoronando ao meu redor. Ninguém nunca me disse o que fazer. Então me veio algo na mente. Um pensamento vertiginoso que vinha aparecendo cada vez com mais frequência, mesmo quando as coisas pareciam estar indo bem, sem nenhum problema, sem nenhuma dificuldade.

Pensando nisso agora, acho que algumas pessoas têm mais tendências para pensamentos assim, como uma maldição. Algumas pessoas apenas sentem as coisas mais intensamente do que as outras, e talvez essa seja a causa de algo pequeno tornar-se tão grande dentro de mim. Pode parecer bobagem, antes eu achava que era exatamente isso, até que aconteceu comigo. Quem observa do lado de fora pensa que é algo pequeno, sem importância, podem dizer que é frescura, mas só quem realmente sente sabe, é necessário que você passe por uma situação parecida para entender, por isso eu realmente espero que você não entenda, do fundo do meu coração eu espero que você ache tudo isso uma gigantesca frescura, uma enorme bobagem, puro drama, espero que você nunca tenha se sentido assim antes.

Eu queria morrer. E essa não era a pior parte. A pior parte foi não ter morrido ali naquele instante, foi ter que aguentar tudo aquilo, sozinha.

Doía tanto que ficava difícil respirar, era como se houvesse algo pressionando meus pulmões. Um peso. Era um peso existir. Estar viva doía, mas estar viva e completamente sozinha foi me matando aos pouquinhos. Será que dói tanto estar morta quanto dói estar viva?

Nunca contei nada pros meus pais. Eles não precisavam saber, não podiam saber, afinal, tudo ia voltar a ser como era antes, não é mesmo? Assim como a tristeza veio sem nem nenhum motivo, ela também iria embora, junto com os pensamentos assustadores que me assombravam, não iria? "Não, Clarisse, as coisas nunca vão voltar a ser como antes." Queria ter tido a chance de dizer isso a mim mesma, para que não tivesse tido esperança. Ter esperança acabou comigo, me destruiu.

Sangue de Dragão [Completo no DREAME]Onde histórias criam vida. Descubra agora