Capítulo 8 - A Viagem

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Ainda bem que o Vanhojen tanssit foi numa sexta-feira, assim eu teria dois dias para não ver Taika de novo. Ou ela teria tempo suficiente de não me ver.
No caminho de volta, tentei não transparecer que havia algo errado comigo, mas era impossível, eu sempre me sentia no limbo, querendo ficar quieto, com receio de que eu dissesse o que aconteceu sem querer e outras pessoas terem outra visão de mim ou dela. O jeito era ficar quieto. Não pensei que quebrar um coração sem intenção era pior do que ter um coração quebrado propositadamente. Quando Kim cogitou sobre o acontecido com o vestido da Teresa, seu pai riu e sua mãe o repreendeu, dizendo para ser mais cauteloso e que uma coisa pior poderia ter acontecido: ela poderia ter ficado despida.
- Acho que foi por isso que ela ficou com raiva - disse Kim.
- Pode ser, mas vestidos são caros.
Eles não sabem que algo pior do que rasgar vestidos aconteceu. Fiquei a viagem toda olhando pela janela, vendo a neve derreter aos poucos e as pessoas passando. Nesta hora, eu estava tão sem vitalidade quanto Taika, perdido em meus pensamentos e me culpando por tudo que viria a acontecer. Kim percebeu que estava quieto demais.
- Tudo bem?
Olhei para ele e pensei na desculpa mais cabível que poderia dar.
- Só estou passando mal. Comi doce com aqueles pães e fui dançar de barriga cheia. É isso.
Ele deu de ombros.
- A janela está do seu lado.
Dei um sorriso sofrido.
Eles conversavam o caminho todo para casa, mas pareciam estar longes de mim, nem mesmo a proximidade de pais e filho que eles tinham - o que me fazia sentir uma certa inveja branca - me reanimou, o único jeito para melhorar minha situação era melhorar a de Taika, para isso era necessário voltar ao tempo e não chateá-la. Minha semana realmente não estava boa, primeiro, a discussão com Anja que ainda parecia ter reflexos dela sempre que nos encontrávamos, isso já havia me destruído, e agora, a rejeição em Taika. Tristeza e indignação para Taika e Anja respectivamente, eu era bipolar para duas pessoas. Por que eu deixei que isso acontecesse?
Primeiro, me deixaram no meu apartamento, agradeci pela carona e Kim pediu para que eu fosse visitá-lo quando estivesse melhor. Se fosse para eu ir te ver quando melhorar, nunca iria.
Subi para meu apartamento e Anttoni estava no telefone, feliz e contente, Anja com o notebook no colo e Anna brincando no tapete, com brinquedos de animais feitos de borracha. Assim que me viu, ela sorriu e correu para mim, eu a peguei no colo e ela me deu um beijo na bochecha.
- Você é um ótimo dançarino, Kalevi!
Consegui sorrir para ela.
- Obrigado.
- Kalevi - Anttoni desligou o telefone e o colocou na base. - Feche a porta e sente.
Ainda com Anikki nos braços, fechei a porta e sentei no sofá marrom ao lado do que Anja estava.
- O que foi? O que fiz desta vez?
- Nós vamos viajar - disse Anttoni.
- Ótimo, para onde e quando?
- Amanhã e para a Suécia.
Soltei a coisa que mais bateu na minha cabeça naquela hora:
- O quê?
- Anttoni foi sorteado com uma viagem para a Suécia.
Ótimo, agora eu vou ter que ser como Anttoni. pensei.
- Como assim?
- A empresa que eu trabalho oferece viagens para um resort na Suécia - disse Anttoni.
- E vamos amanhã. Que rápido - disse mais para eu mesmo do que para comentar.
- Tudo bem para você?
Do que adiantaria minha opinião?
- Bom - dei de ombros -, a Suécia não é um lugar tão ruim. Mas como vamos?
- A empresa vai cobrir tudo - disse Anttoni. - Um taxi virá aqui de manhã, nos levar para o aeroporto, faremos um vôo de duas horas e lá outro taxi vai nos levar para o resort. Vamos ficar dois dias e vamos voltar.
- Somente dois dias? Por que não sorteam nas férias?
Deram de ombros. Anna saiu do meu colo para voltar a brincar.
- Tudo bem. Qual é o resort?
Anja girou o notebook no colo e eu li "Ursand" em amarelo no centro da tela sobre uma imagem do que parecia ser um lago e percebi que o logotipo também estava no canto superior esquerdo. Havia uma bandeira alemã e outra sueca, o que indicava a possibilidade de troca entre os idiomas. Era o suficiente. Anja preferiu me mostrar o site em vez de me explicar. O.K.
Suspirei.
- Tudo bem. Mas e a temperatura? Ainda está nevando.
Anja sorriu.
- Bem, o aquecimento global está se mostrando e não estamos no mesmo país - ela olhou para mim.
Não sei se seu olhar foi para me provocar, mas eu senti em minhas entranhas que seu olhar e seu sorriso eram para me cutucar com a mais perversa intenção. Ou então eu simplesmente não suportava mais a sua presença e seus atos.
Me senti incomodado como se ela estivesse se tornado minha inimiga e me levantei para me arrumar. Tirei a roupa formal e coloquei meu jeans e minha blusa de moletom que mais me agradavam. O peso e cansaço da festa pareciam ter ficado nas roupas. A sensação de finalmente ter chegado em casa somente por ter tirado as vestimentas de passeio chegou e me deixou em um alívio sem igual, era como poder respirar tirando uma sacola da cabeça. Ao sair do quarto e partindo direto para a porta da saída, Anttoni me perguntou onde estava indo. Respondi que estava indo visitar Kim.
- Mas vocês acabaram de se ver!
Antes que eu devesse dar mais explicações, fechei a porta. Sem ter muito no que pensar, atravessei a rua até chegar no condomínio do meu amigo. Subi as escadas e bati na porta do apartamento dele. Quem me atendeu foi sua mãe.
- Kalevi! Que quase-não-surpresa! - sorri. Não me importava com as piadas deles, eu gostava dos pais de Kim. - Se sente melhor?
Sorri e assenti.
- Bom - ela olhou para trás -, Kim não está ocupado ainda, estava te esperando.
- Posso entrar?
Ela ficou de costas para a porta e abriu o braço para dentro de casa, eu pedi licença e assim que entrei, senti cheiro de comida sendo preparada. Ela fechou a porta. O apartamento deles era bem maior que o meu, o meu quarto parecia ter o tamanho da cozinha deles.
- Kim! - gritou a Sra. Matilda. Dei um sobressalto de susto. - Seu amigo está aqui!
Uma porta se abriu da sala e uma cabeça saiu. Kim sorriu para mim e fez um gesto para que eu entrasse em seu quarto.
Vento frio entrava pela janela e o sol iluminava o cômodo com intensidade tão fraca que ainda parecia ser dez horas da manhã. Não estava tão frio quanto devia para março. Lembrei da Anja falando sobre o aquecimento global. É... Ela pode não estar tão errada assim.
- Se sente melhor?
Me indaguei por que Kim me perguntou se eu estava melhor, até eu lembrar da razão. Dei de ombros.
- Estou bem.
Ele arqueou uma sobrancelha, como se soubesse ler meus pensamentos.
Na minha imaginação, Taika sem vitalidade se transfigurou em Anja provocadora, levando junto minha tristeza e culpa e trazendo junto a raiva e descontentamento.
- Eu vou viajar.
Ele riu e disse:
- E isso é motivo para se sentir mal?
- O verdadeiro problema é que eu vou ir para um lugar que eu nunca fui; Anja está me provocando como uma criança; e eu tenho muito problema para resolver.
- Problema? Que problema?
Eu estava prestes a mencionar Taika. Kalevi! Não! Não posso falar sobre o que aconteceu, eu fiz esse juramento para eu mesmo!
Tentei acabar com o assunto balançando a cabeça, disse que era pessoal.
- Hum. Mas e a viagem? Vocês não estão indo visitar um país sofrendo com guerra civíl, não é?
Cocei a cabeça, tentando explicar. Eu não queria ir para a Suécia, talvez seja o comodismo ou o choque com Taika que eu não superaria tão rápido, mas talvez uma viagem curta poderia dissimular o que aconteceu.
- Eu não sei o por quê, mas eu não estou com muita vontade de ir.
- Para onde vocês vão?
- Para um resort na Suécia, não consigo lembrar o nome muito bem...
Kim ligou o computador - que parecia estar suspenso - e abriu um site de pesquisas.
- Deixa eu adivinhar. Ursand Camping?
Me veio à mente o logotipo amarelo por cima do lago. Concordei com a cabeça. Debaixo da mesa, haviam duas cadeiras retráteis, Kim as arrumou e sentamos nelas. Ele não era tão desajeitado dentro de casa quanto parecia na escola.
Kim fungou duas vezes e esfregou a manga da blusa no nariz.
- Como você sabia que era o Ursand Camping? - perguntei.
Deu de ombros.
- Já fui para lá, tinham mais finlandeses do que suecos.
- Sério? Como é?
- É muito legal - ele sorriu. - Nos hospedamos nos trailers que tem lá. A gente andou pela floresta - ele fez um sinal de aspas com os dedos -, e aproveitamos para andar um pouco pela cidade.
- Que cidade?
Kim colocou o site do resort.
- Gotemburgo. Quantos dias vocês vão ficar?
- Dois.
Ele me olhou com expressão incrédula. Expliquei sobre o sorteio na empresa do Anttoni.
- Mas uma coisa que ainda não entendo é como que pode estar calor amanhã - disse.
No próprio site do resort, havia uma previsão de tempo para três dias (hoje, amanhã e depois de amanhã). Para todos os dias, estavam previstos temperaturas superiores à vinte e cinco graus.
Suspirei, cruzei os braços e balancei a cabeça. Kim disse a mesma coisa que Anja:
- O aquecimento global realmente não está de brincadeira - ele me olhou. - Qual é o problema? Não é um luigar ruim.
- Não é o lugar, é a compania.
Ele riu, somente o ar do nariz saiu. Almocei na casa de Kim e jogamos videogame a tarde toda, só fui reparar a hora quando o sol se pôs. Me despedi de todos e agradeci pela recepção que sempre gostei e voltei para casa. Para minha surpresa, Anja estava dormindo e Anttoni assistindo televisão, um telejornal, para ser mais exato. Ele me viu entrar e desligou o aparelho pelo controle.
- Estava te esperando.
Não disse nada.
- Temos que dormir para acordar cedo amanhã. Vai ser um longo dia.
- Dois dias - lembrei com sarcasmo.
Depois de escovar os dentes e deitar, eu lembrei em como este dia pareceu ter quarenta e oito horas. O Vanhojen tanssit foi legal, beijei, joguei videogame com Kim, recebi uma notícia de viagem - em cima da hora, vale comentar - e ainda tive tempo de quebrar um coração. Não foi muito bom, mas eu teria de encarar os fatos algum dia, não poderia me esconder para sempre, tanto que eu não tinha nada para esconder. Me recordei da minha própria promessa de não dizer para ninguém sobre Taika. Ou será que eu tenho algo para esconder?
Estava prestes a lembrar e ficar triste, porém, eu estava cansado demais para chorar, e ainda por cima, sentia dores nas pernas por causa dos movimentos. Sedentarismo não é legal.
Foi quando eu acordei que percebi que tinha dormido. Anikki pulava em cima de mim como um filhote de cachorro quando percebia que ia passear. Não estava sonhando com nada, porém, pareceu que alguém estava querendo acordar um morto aos pulos. Pensei que ia infartar.
- Vamos, Kalevi, acorde! Acorde!
Seus pés pequenos bateram na minha barriga de uma forma que eu fiquei sem ar e até vi estrelas, somente quando a puxei para baixo que ela parou. Ela gargalhava enquanto olhava para mim e eu me perguntei se era legal para crianças ver o sofrimento alheio. No meio de toda essa gargalhada, ela disse:
- Bom dia.
Com o ar que eu consegui recuperar, fiz o mesmo. Anja entrou no quarto.
- Anikki, deixe ele levantar do jeito dele.
- Você quer dizer, sem ter o estômago esmagado? - ri.
- Pode ser.
Depois de levantar e tomar banho, fui tomar café e nunca vi Anttoni com olheiras tão horríveis. Ele disse que não dormiu a noite toda por causa da ansiedade. Eu nunca fiquei ansioso por causa de dois dias. Como Anja acordou mais cedo, teve tempo de sobra para arrumar nossas roupas em mochilas separadas, feito isso, fomos avisados que um taxi estava nos esperando e saímos do apartamento, tentando deixar tudo da maneira mais organizada possível.
Enquanto estávamos jogando, Kim me falou sobre o tempo que levaram para chegar até o resort. Quinze minutos de carro até o aeroporto de Tampere, duas horas de vôo até o aeroporto de Landvetter em Gotemburgo e quatro horas de carro até Djupendalen, que é o nosso destino. Teríamos pelo menos seis horas de viagem.
Gastei os quinze minutos do taxi dormindo, acordei somente quando me jogaram minha mochila. Outro susto. Estava tudo certo, ainda bem, assim não teve muita demora na hora de embarcar e o nosso avião já estava pousando quando chegamos no embarque. Depois de um tempo, entramos no pássaro de ferro, coisa que para mim, não era mais motivo de ter medo nem ansiedade, eu estava um tanto desapontado naquela hora, por quê? Não sei. Pode ser porque eu magoei Taika, eu realmente não sabia como lidar com isso e como ela iria me olhar de novo, eu estava chateado comigo mesmo.
Antes do avião decolar, eu vi muitas pessoas, casais, para ser mais direto, me perguntei se um dia, Taika e eu seríamos assim ou se ela nunca me perdoaria e me daria uma segunda chance para tentar fazer diferente. Só ela mais o tempo poderiam dizer isso. Dormi de novo, duas horas no vôo dormindo. Eu não estava cansado a ponto de dormir toda hora, porém, tudo que tinha um motor parecia ter um sonífero natural para mim, portanto, dormi no avião e provavelmente iria dormir nas quatro horas restantes.
Chegamos no Landvetter. Um aeroporto não muito diferente dos outros, escadas rolantes, gente de todo o mundo, piso que serve de espelho, pessoas se conhecendo, se despedindo, dizendo o último adeus ou o primeiro cumprimento. Pessoas entram e saem de aeroportos como este, elas viajam o mundo inteiro para chegar em seu destino, ou conhecer alguém.
Pegamos nossas malas e logo quando saímos, outro taxi estava nos esperando. O sol parecia ser mais agressivo do outro lado do Golfo da Bótnia. Desta vez eu não tinha dormido, as paisagens me fisgaram e tomaram toda a minha atenção, já visitamos a Suécia uma vez, fomos para Estocolmo, mas eu não gosto muito de capitais, prefiro "partes aleatórias" do país, porque não são tão urbanas, e Gotemburgo poderia ser uma parte aleatória. Tudo bem, não passamos por nenhum rancho, nenhum matagal, mas eu podia sentir o cheiro de mato molhado, ar fresco, pessoas sorridentes e felizes, o que também me fez bem e me ajudou com meu humor.
Prédios deram passagens para casas, depois para lojas pequenas e logo, tudo sumiu, deixando espaço para eucalíptos. O cheiro trazia automaticamente a cor verde em minha cabeça, o taxi entrava em espaços absurdamente inexplorados, parecendo se expremer por entre as árvores, mas para a minha surpresa, folhas secas foram afastadas para formar uma trilha que se dividiam em duas faixas, a terra seca tinha como rumo o resort.
Não falei muito no trajeto, somente o essencial.
O taxista abaixou o volume, o que indicava que estávamos chegando. Por entre as árvores, os carros se tornavam frequentes, crianças com roupas de banho corriam alegres, secas e molhadas, idosos procurando por sossego e casais... Bem, casais estavam sendo os mesmos casais, fazendo pessoas como eu se sentirem mais sozinhas ainda. Depois de quase um minuto passando por trailers, carros e pessoas, vimos o que parecia ser o lugar onde parecia ser a recepção. O taxi parou no estacionamento, lugar com sombra e que quase não tinha mais espaço, havia muita gente. Pegamos nossas malas, agradecemos ao taxista, e Anttoni foi conferir nossos documentos.
Pouco tempo depois, fomos para o nosso trailer. Não era ruim, me surpreendi ao ver que era espaçoso e confortável. Paredes de madeira, água encanada, dois quartos, e todos os cômodos tinham portas!
Anja queria andar pelo resort, porém, Anikki estava ansiosa para nadar, então, eu fiquei como responsável dela enquanto eles andavam por onde queriam. O ar era, de fato, diferente, mas mesmo não sendo o mesmo, era muito fraco para tirar os problemas que pareciam pesar toneladas na minha cabeça.
Eu tinha de tirar isso da minha cabeça, senão, eu acabaria com depressão ou algo assim.

Oi, pessoar, gostaram desse capítulo? o que vcs acham que vai acontecer no resort? Votem e comentem, isso incentiva muito! E assim como o prédio laranja, fiquei tempos estudando no google mapas, a minha intenção é que ficasse o mais parecido possível com a realidade, até salvei fotos do resort e dos aeroportos. Queria tudo impecável. Isso tudo é só pra vcs verem como eu levo essa obra à sério.

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Votem, comentem, pois são livros de primeira!
Até o próximo capítulo 😙

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