❥ chapter 2

2.9K 226 45
                                    

Em toda minha vida, acredito que só viajei umas três ou quatro vezes; as duas primeiras foram quando eu era pequeno, portanto mamãe e papai que cuidaram de tudo e ficaram por arrumar minhas malas e as de Gemma. Depois, quando me mudei para a Carolina do Sul e não pude mais contar com o auxílio deles nesta questão, precisei me ver obrigado a me organizar o bastante para fazer as minhas - e foi na manhã daquele sábado, dois dias antes da viagem para Florence, que descobri o quanto eu odiava o ato de colocar minhas roupas dentro de bolsas enormes.

Eu estava exaustivamente frustrado e, para completar, meu estômago ainda estava embrulhado por causa do meu consumo indevido de bebidas alcoólicas na noite anterior. Todo o bom humor que eu estava a manter na sexta-feira parecia ter desaparecido de modo mágico e lá estava eu, empilhando as roupas e produtos de higiene pessoal que eu julguei serem necessários para uma semana de viagem dentro daquelas malditas malas pretas.

Eu poderia muito bem ter pedido ajuda para Gemma, visto que ela adorava organizar qualquer coisa que aparecesse em sua frente, porém a mesma não deveria estar aguentando nem ficar de pé depois da bebedeira da noite anterior. Deste modo, minha opção mais viável seria Zayn, mas eu não queria incomodá-lo mais do que já faria quando ele viesse me ajudar com os documentos no domingo.

Quando finalmente terminei, por volta das duas horas da tarde, suspirei aliviado e arrastei meu corpo até a cozinha, onde tomei um comprimido acompanhado de um copo d'água - não sem antes de tropeçar em alguma peça no caminho, é claro. Eu me sentia enjoado demais para almoçar, portanto apenas voltei para o quarto e fitei o armário onde eu costumava guardar minhas ferramentas e peças utilizadas em minhas construções; elas estavam meio que piscando em um pedido desesperado para que eu pensasse em algo novo para construir, mas eu reconhecia que não estava em condições para utilizar meus dons naquele momento e apenas respirei fundo, desviando o olhar.

Lembro de ter me encolhido debaixo de meus cobertores e esticado o braço para alcançar a cabeceira, local onde alguns livros que Zayn havia me emprestado estavam empilhados; peguei o primeiro que senti em minhas mãos e então comecei a leitura, que era tão gostosa e envolvente que eu praticamente devorei suas cento e trinta e duas páginas. Bem, a história era basicamente sobre um cavalheiro inglês que realizou uma aposta com seus amigos, afirmando que seria capaz de dar a volta ao mundo em oitenta dias. Certo de que seria capaz de cumprir, ele estabeleceu horários exatos e dias para cada embarque e cada partida, esperando não ter nenhum atraso durante o processo - o que acabou sendo inevitável. Quem o acompanhou naquela viagem cronometrada, porém ainda assim cômica de certo modo, foi Jean Passepartout, um leal criado francês que ele contratara há não muito tempo.

Lendo aquele livro, senti uma certa inveja de Phileas Fogg, o cavalheiro inglês que realizou a aposta; sempre tive o desejo de largar tudo e me aventurar por aí, sem planos de voltar para casa tão cedo. Por mais que eu estivesse a levar uma vida sem muitos problemas naquela época, a monotonia de meus dias e a ausência de uma compainha me deixavam entediado de vez em quando, o que me fazia querer mais que tudo um incentivo, um motivo para abrir os olhos todos os dias. Eu não costumava pensar sobre isso com tanta frequência, pois, além de ter medo das conclusões que viria a obter, eu não conseguia encontrar explicações para muitas coisas que já havia feito.

Na maior parte do tempo, eu não me importava em ser tão sozinho; para mim, eu já era inteiro demais para procurar outra metade. Mas, de vez em quando, fitando algum ponto aleatório do meu silencioso apartamento, eu me pegava pensando em como as coisas seriam se eu tivesse feito escolhas diferentes em minha vida. Só agora percebo que tais reflexões eram uma espécie de tortura que eu estava fazendo comigo mesmo, uma vez que se arrepender por algo que você deixou de fazer é, em minha opinião, uma das piores coisas do mundo.

South Carolina • l.sOnde histórias criam vida. Descubra agora