"Voltar, encarar e desistir"

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Eu olhava pela janela do carro, mas não conseguia escutar nada. Sentada no banco de trás eu olhei os olhos do meu avô Carlos, então ele correspondeu o olhar

e seguido de um suspiro tão forte que senti como se todo o ar tivesse deixado os pulmões dele, me disse: -"Vai ficar tudo bem Julia".

Então logo eu vi minha antiga casa, as paredes ainda continuavam pintada de um azul bem claro, uma pequena escada que chegava a varanda onde eu me sentava e ouvia as histórias de soldado e comunista do meu avô. Ele foi exilado do país para a Itália em 1978 por ser considerado um inimigo da pátria, quando lutou contra a ditadura. Assim conheceu minha avó Rita. Ela morava em um pequeno vilarejo com seus pais e 6 irmãos homens. Meu avô dizia que ela esperava que todos fossem dormir e pulava a janela de seu quarto e ia para um baile, onde os homens puxavam as senhoritas para dançar e assim as conheciam. Meu avô era o homem mais desengonçado, e ficava vermelho sempre que uma mulher o olhava, até que minha vó o convidou e eles dançaram por alguns minutos, até que ele esbarrou em um garçom que passou com uma bandeja. Ela sorriu então eles saíram para conversar. Na saída, o pai de Rita e seus irmãos estavam à espera da moça, que a seguraram e a afastaram de meu avô.

Eu cheguei até a porta e meu avô me pediu que tirasse o sapato, o que não fazia nenhum sentido pois a casa parecia que não era limpa no mínimo à 2 anos.

De repente eu ouvi um carro chegar que tocava November Rain do Guns N' Roses, e só uma pessoa amava mais essa música do que eu, meu antigo vizinho Will:

-Eu não sabia que o Will ainda estava aqui. Disse ao meu avô quando o vi sair do carro.

-Ele voltou a poucos meses. Respondeu meu avô quando tirava seus sapatos.

-Você lembra como éramos amigos e como deixávamos todos furiosos?

-Boa época, quando você era uma curiosa de um metro e não uma tatuada e com piercing na orelha. E ele um bom menino e não um drogado que escuta música alta e fala gírias.

Na outra manhã quando acordei, vi o uniforme do meu antigo colégio São Lourenço em cima da cabeceira, eu não usaria aquilo por nada. Meu avô estava na cozinha preparando o café mas os ovos tinham cheiro de queimado, o vi irritado jogando a frigideira dentro da pia:

-Vô?!

-Você acordou?! Estou acabando de preparar o café...

-Eu não tomo café da manhã!

-Ah tudo bem.... ah, e não tinha um uniforme em cima de sua cabeceira?

-Eu não vou usar aquele uniforme. Eu pareço....

-Uma boa garota?. Interrompeu-me sorrindo.

-Eu ia dizer com sete anos de novo mas, isso também.

Então saímos.

Quando cheguei na escola era como se eu tivesse voltado a minha infância. Eu senti como se todos estivessem me olhando. Naquele momento eu só conseguia pensar: "será que eles sabem?", "será que vão me fazer perguntas?", "o que eu vou falar".

Quando eu vi minha antiga professora de literatura A Sra. Fernandes, fui na direção dela então ela me reconheceu e após abrir o seu belo sorriso me abraçou e me chamou de "a pequena Julia", ela me ajudou muito no divórcio dos meus pais. Um dia eu fiquei no banheiro da escola o dia todo quando ela soube, conversou comigo até que eu contei que tinha medo de voltar para casa e ver meus pais brigarem.

Ela me orientou até minha sala e ao entrar meus olhos só conseguiram olhar para o última carteira da sala, e um sorriso tão espontâneo saltou em meu rosto. Era ele, o Will estava lá!

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