Contado em primeira pessoa por Anne.
Se você tem 17 anos provavelmente suas maiores dúvidas são: Faculdade, profissão, etc.
Bem diferente de quando minha mãe tinha essa idade! Acho que ela pensava em casamento, filhos...E tudo isso fazia sentido para o momento.
Você já percebeu como as coisas deixam de fazer sentido, tão rápido quanto um dia já fez?
Ou como algumas pessoas se tornam tão insignificantes, quando tanto já nos importaram?
Mas infelizmente isso não funciona com todas! Pelo menos não com meu pai.
Muita coisa já tinha mudado nesses "quase" três anos que ele tinha ido embora. Caio, meu irmão foi para o exército e minha mãe a cada dia ficava mais religiosa. Não que eu tenha algo contra, mas ela chegava ser insuportável. Parecíamos um drama baseado em "Carrie, A Estranha" mas sem os poderes e o sangue de porco.
-Sabe por que eu não namoro?
-Pra evitar os dramas? Respondeu Júlia.
-Isso! Essa é a palavra.
-Deveria aproveitar hoje o baile de primavera... eu sei que tem muitos meninos que gostariam de ser seu par!
-Eu não sirvo pra isso. No meio das flores, eu seria os espinhos!
-Você é quem sabe, mas se resolver ir eu estarei te esperando! Disse Julia se despedindo.
Na verdade, bailes lembram minha infância. E como eu gostava de dançar com meu pai. Ele não sabia dançar, mas me fazia rir quando rodávamos por todo salão. E mais uma vez tudo que já fez sentido deixa de fazer.
Cheguei em casa e vi minha mãe com algumas correspondências nas mãos, ela se assustou ao me ver, eu sabia que tinha algo de errado:
-O que esta escondendo de mim? Questionei-a.
-Nada minha filha, são apenas contas. Eu só não tinha visto você chegar! Respondeu minha mãe aflita.
Então me aproximei e tomei uma carta de sua mão. Ela insistiu para que não abrisse, mas claro que eu não atenderia seu pedido.
No verso da carta, estava o nome de meu pai com seus dados. Fiquei parada sem saber o que fazer, e quando tive coragem, abri a carta e não consegui segurar as lagrimas enquanto lia:
Para minha garotinha,
À um ano, quando enviei a primeira carta me questionei o quanto me odiava. Se algum dia me perdoaria e começaríamos de novo. Mas nunca recebi uma carta sua, então envio esta como minha última tentativa. Não que você tenha alguma obrigação de me perdoar, mas sinto que a cada carta interfiro em sua vida. Você deve ter amigos, talvez até um namorado. Mas sempre estarei aqui. Pela décima carta e pela décima vez, desculpe-me filha. Não posso concertar o passado, mas vou lutar para que tudo melhore no futuro.
Com muito amor, Seu Pai.
Eu peguei o envelope e fui em direção ao meu quarto, minha mãe me seguiu:
-Filha você precisa me ouvir!
-Por que escondeu as cartas de mim? Você e nem ninguém tinha esse direito!
-Porque está pegando sua mochila? O que está pensando em fazer?
-Eu vou até a casa do meu pai, preciso ouvir tudo isso dele.
-Não pode fazer isso, eu não vou permitir!
-Ele também é meu pai, eu tenho o direito de vê-lo. O endereço está no envelope.
-Filha, filha...
Peguei minha mochila, coloquei algumas peças de roupas e saí sem olhar para trás. Fui até a rodoviária e comprei uma passagem. No caminho passei em frente ao São Lourenço e vi todos entrando no baile.
Repetidamente lia aquela carta , e todos os momentos ruins que passei com meu pai sumiram por instantes.
Eu me contradizia, em ver tudo que não importava mais, voltar a importar. E tudo que não fazia mais sentido agora fazia. Será?