Contado em primeira pessoa por Anne.
Era tão humilhante ver todas aquelas pessoas rindo de mim, que corri para o banheiro e me escondi numa das cabines. Eu só conseguia chorar, e me senti só. Eu ainda podia ouvir, eles me chamarem de louca e me questionei muitas vezes, se realmente não estava enlouquecendo. Eu não podia enfrentar, então me escondi. E isso durou muito tempo.
Algumas semanas antes:
Eu sempre achei, que fosse diferente das meninas do São Lourenço. Não para melhor, mas sim para "esquisita". Elas sonhavam com bailes, amores e casamento. Eu só queria um livro de fantasia e asinhas de frango frito. Quando era pequena, minha mãe me levou para visitar minha prima Melissa e sua mãe Cintia . Eles eram a parte rica da família, e nós como minha mãe dizia, éramos a parte emergente. Quando chegamos, tinha tantos talheres na mesa que comecei a rir e perguntei quem mais iria vir para o almoço. Minha mãe segurou o meu braço e pediu desculpas. Melissa e eu brincávamos no quarto e ela só sabia reclamar do jeito que eu segurava suas bonecas, ou como me sentava em seu tapete. Ela me mandou até lavar as mãos, para brincar:
-Não é assim que se brinca! Disse Melissa.
-Eu não brinco muito com bonecas. Eu respondi.
-Então brinca do que?
-Eu caço sapos e minhocas, perto do rio com meu irmão.
-Eca, ainda bem que lavou suas mãos. Não quero pegar germes. Ainda mais, que sua casa cheira a mofo!
-Minha casa não cheira a mofo.
Eu estava tão irritada com Melissa, que na primeira oportunidade, peguei uma tesoura no armário do corredor e cortei o cabelo de todas as suas bonecas. Quando ela entrou no quarto, gritou tão alto que nossas mães subiram correndo.
Quando cheguei em casa meu pai estava no sofá, e perguntou como foi. Minha mãe começou a reclamar e dizer que não sabia mais o que fazer comigo:
-Esse é o jeito dela querida. Disse meu pai.
-Não é o jeito que moças devem se comportar. Cíntia nunca mais convidará nossa família pra nada. Disse minha mãe furiosa.
-Ela disse que eu não sabia brincar, e que nossa casa tinha mofo. Disse na esperança que minha mãe entendesse.
-Eu não quero saber, você está de castigo por um mês, suba já para seu quarto.
Naquela noite meu pai foi até o quarto e me deu um bombom, ele pediu para que não contasse a minha mãe. Disse que estava orgulhoso de mim, por não deixar que alguém pisasse em mim.. Ele sempre me apoiou em tudo que eu quis fazer, nós sempre fomos muito parecidos.
No ensino médio, eu tinha muitos amigos. As que eram mais próximas de mim, eram as gêmeas Carolina e Vitória. Elas tinham se mudado a cerca de um ano com sua tia Kate, depois que ela perdeu um bebê. Me disseram que Kate nunca esteve tão feliz, como quando soube que estava grávida de seu namorado. Os meses passaram, e ela já tinha todo o armário da criança cheia de roupinhas. No oitavo mês da gestação, o namorado de Kate chegou bêbado em casa, e quando ela o questionou sobre sua responsabilidade com aquela nova família, ele a espancou sem pensar nas consequências. Depois que se mudou Kate passava as noites bebendo em bares, tentando esquecer tudo que passou. Muitas dessas noites, as meninas dormiram aqui em casa. Nós éramos inseparáveis.
Eu voltei para casa depois de uma feira de ciências que foi super entediante. Eu sempre amei a razão, mas sentar por quatro horas e ouvir meu professor falar sobre "A Ciência e seus benefícios" foi sufocante. Cheguei e fui direto preparar o almoço do meu irmão Caio, ordens da minha mãe:
-Como foi a aula hoje? Perguntou Caio, enquanto estava deitado no sofá vendo TV.
-Se quiser saber como foi a aula, deveria ir. Já faz quase um mês que não aparece, mamãe não vai gostar de saber. Disse a ele.
-Mamãe só vai saber se você contar! E como você não quer que ela saiba da caixa de cigarros, que encontrei em sua mochila... Vai ficar quieta.
-Eu devia colocar veneno na sua comida...
Então subi no banco para pegar uma panela. Mas vi algo que roubou toda a minha atenção, pela pequena janela da cozinha:
-Caio, vem cá.
-O que foi?
-Vem é sério!
Caio se levantou e olhou pela janela:
-Não é o carro do papai? Perguntou Ele.
-Não sei, parece que sim! Eu respondi.
-O que será que ele está fazendo na casa da Sra. Flores?
-Não tenho certeza. Mas acho que ele não errou de casa!
Saí em direção a casa da minha vizinha. E a cada passo, surgia uma pergunta. Por que meu pai estaria aqui? O que eles estão fazendo? Eu tinha tanto medo de descobrir, que parei por alguns segundos na frente da porta. Tomei coragem e bati, sem ter nenhuma resposta caminhei pelo jardim. Vi a pequena sala de estar que estranhamente, estava com quase todos os móveis revirados. Continuei andando ao redor da casa, então ouvi um barulho que vinha da janela do quarto da mulher. Me aproximei e quando olhei...