Capítulo 8

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Entre minhas poucas memórias, lembro-me das vezes em que eu precisava arrancar um dente. Papai me esperava no banheiro e eu sentava na minha cama, fechava meus olhos, e repetia centenas de vezes "vai passar",eu procurava pensar em como seria minutos depois do papai arrancá-lo, como a dor iria cessar e tudo voltaria ao normal, e com um pouco de sorte eu ainda ganharia um sorvete por ter sido tão corajoso.
Hoje, percebo que alguns momentos de nossas vidas é muito semelhante ao de arrancar um dente. A gente sabe que a dor será inevitável, e por isso temos medo de enfrenta-la.Com isso, esquecemos que o real problema não é a dor que iremos sentir, mas sim o quanto demoramos sentados na cama idealizando como seria incrível já ter passado por ela. A dor nos destrói, mas lembra-nos que estamos vivos e sem os altos e baixos que a vida nos proporciona, pode ser que algo em nós tenha morrido.

Escuto a voz de Benjamin novamente, tão cortada quanto na primeira vez.
—Não vai falar com seu irmão mais novo Adam?
O silêncio predomina o ambiente, encaro aquele rapaz na minha frente, tão parecido comigo,mas ao mesmo tempo tão diferente. Seu olhar carrega magoas nas quais provavelmente, sou eu o autor delas. Seu corpo é mais forte do que o meu, mas os cabelos loiros e o azul dos olhos estão presente nele também.
Não percebo quando estou no chão com Benjamin socando meu rosto. vejo meu tio tentando em vão o tirar de cima de mim,porém permaneço parado, esperando seu acesso de raiva passar. Não revido e nem grito, apenas encaro a criança perdida e machucada no corpo de um adulto. Depois de algum tempo seus socos já não são tão fortes quanto suas lágrimas que caem no meu rosto.
O abraço e ficamos ali, entre seu pranto e meu sangue. Percebo que as pessoas presentes na varanda, começam a entrar na casa,Anne esta com o rosto coberto por seu choro e nos encara por um tempo, como se estivesse lutando para tomar um decisão, entre entrar ou ficar do meu lado. Dou-lhe um sorriso, que dói mais do que o planejado e ela entra.
—Eu odeio você—Benjamim diz ainda com o rosto no meu pescoço.

—Eu sei —sussurro.

—Por que você sempre fica com as melhoras coisas? não é justo somente eu lembrar do que aconteceu naquele dia, você não pode deixar isso apenas comigo.—diz entre soluços.
Sei que ele está se referindo a morte de nossos pais.

—Eu sinto muito, por tudo o que fiz você passar.

—Você está mentindo, como pode sentir tanto, se ao menos se lembra do que estou falando.

—Eu não lembro, mas sinto, a dor e o vazio no meu peito são muito grandes, mesmo que eu não me lembre, e sei que você também sente.
Permanecemos em silêncio, sentados no chão nos encarando.
—Por que não me disseram que você esteve tão perto da morte?

—Eu não sei, mas isso não importa mais.

—Sim importa,eu estive te odiando o último ano inteiro, sem saber que eu estava perto de ser alguém sozinho, você é a única família que me sobrou, não entende?
Nesse momento, percebo que ele estava se culpando por erros que eu cometi. Ele se culpava por não estar do meu lado, quando na verdade foram minhas ações que o afastaram.

—você não tem culpa de nada Bem,eu amo você. Estou feliz por você estar aqui agora. Ele apenas concorda.

—Acho que fiz alguns estragos no seu rosto, você já era feio sem eles, agora.... se Anne ver isso, tenho certeza que ela larga você.—diz rindo

—A culpa é sua, seu idiota—digo rindo—Bem,será que algum dia você poderá me perdoar?

—Já perdoei Dam. Jurei de mindinho para o papai que sempre te perdoaria.

— Então porquê me bateu?—pergunto incrédulo.

—Não tinha te perdoado ainda, agora já fiz o que planejei desde a última vez que te vi—diz dando de ombros.—vamos, você precisa limpar esses machucados—Bem se põe de pé e me ajuda a levantar
***
Entramos juntos na casa, e estão todos nos encarando surpresos. Benjamim me guiou até o banheiro e me emprestou uma camisa e uma toalha para eu tomar um banho. Assim que ele fecha a porta do banheiro, a mesma torna a se abrir,Anne entra ainda assustada e me observa enquanto eu tiro minha roupa e entro no box.
—Você está bem?

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