Capítulo Um

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Depois de tudo que aconteceu, foi horrível viver. Todo lugar em que eu estava não parecia seguro, toda pessoa que eu via me parecia suspeita e eu começava a ficar nervosa. Meus dias se tornaram rotineiros: eu levantava, fechava todas as cortinas e ficava em casa, em silêncio. Era assustador lembrar de tudo, doía minha alma, me tocava lá no interior e toda vez que recordava de alguma coisa, aquilo acabava comigo e eu desatinava.

Sim, ser vítima de sequestro e estupro é a pior coisa que me aconteceu. O semblante daquele canalha estava perpetuado em minha mente. Disseram que ele era um psicopata, que brincava com suas vítimas e depois... depois ele as "comia".

Falaram que eu precisava achar um psicólogo e que isso me ajudaria, mas nada parecia me ajudar naquele momento, eu só necessitava ficar sozinha. Quando disse isso, constataram mais um problema comigo: Síndrome do Pânico. Eu recebia visitas constantes de minha família e amigos, que sempre pediam para eu passar um tempo na casa deles. Nenhum lugar era seguro além da minha casa.

Mas o que realmente aconteceu? Vou te contar.

Eu estava voltando do trabalho, em uma loja de roupas do shopping center que havia no centro da cidade. Consegui o emprego pelo contato de uma amiga, que me indicou para o gerente. Dei graças a Deus na época, eu tinha acabado de alugar um apartamento em um bairro de classe média e estava vivendo com a ajuda financeira da minha mãe. O salário era o suficiente e só tinha que pegar um ônibus. Uma condição da minha função era ir trabalhar com uma calça preta colada, era apenas meu uniforme.

Às 22h eu estava no ponto de ônibus de uma rua paralela à avenida principal. Sentada, um casal do meu lado conversava e um homem estava de pé na minha direita. O cansaço me tomava por completa, minha mente só pensava em uma coisa: chegar em casa, tomar um bom banho e dormir. Quando o casal subiu no ônibus que passou, eu fiquei ali, pois aquele não era meu ônibus.

Sinto nojo de recordar desse momento, quando o homem sentou do meu lado e falou lentamente em meu ouvido: "Você vai comigo". Virei-me e encarei aquele sujeito, os seus olhos castanhos me aterrorizavam, seus cabelos pretos sebosos enfeitavam o seu rosto magro. Parecia ter uns quarenta anos, não mais. Respondi imediatamente "O quê? ". "Eu já falei. Você vai comigo", ele disse no mesmo momento que agarrou no meu braço, puxou-me para si e tampou minha boca com um pano. Depois disso, eu desmaiei.

Acordei em um quarto de hotel, amordaçada e presa à uma cadeira. É horrível pensar em cada coisa que aconteceu ali, mas estou aqui para contar. Ele me cortou, nos braços, nas pernas, na barriga e nas costas. Após isso, ele me fodeu uma vez; outra vez, mais uma vez, de costas, pela frente, de muitos jeitos. Perdi a conta de quantas vezes ele me penetrou. Sinto nojo de mim mesma só de lembrar da respiração ofegante dele na minha nuca.

E então, ele me deixou na rua e desapareceu. Encontrei uma delegacia a algumas quadras dali, na qual entrei parecendo uma mendiga: toda suja e com uma expressão desolada. Fiquei parada na frente da recepcionista sem dizer uma palavra sequer e quando um policial tocou em meu ombro para perguntar o que ocorreu, gritei histericamente; logo fui taxada de louca. Consegui explicar o ocorrido só depois de duas horas sentada, tomando uma xícara de café, com as únicas palavras: "Eu fui estuprada". Então de "louca", recebi o título de "coitada", algo que realmente odeio ser vista.

Sentada na mesma cadeira, contei os acontecimentos para o França, o delegado que estava de plantão naquela noite. Detalhei toda a aparência do homem, desde os seus cabelos escuros até seu queixo pontiagudo. Para minha surpresa, o delegado sabia exatamente de quem eu estava falando e me contou todo seu passado criminal.

Ele era chamado de "O piedoso", somente pelo fato de não matar suas vítimas, meio irônico, não? A polícia nunca conseguia captura-lo, ele era simplesmente um fantasma: não usava cartões de créditos, não tinha uma casa própria e nunca aparecia em câmeras de segurança, só sendo mostrado por retratos falados de suas vítimas. "Ele deve morar em um bairro muito afastado e frequentar lugares muito diferentes dos quais age. Esse cara é bom", foi a última descrição de França sobre ele. Depois disso, acompanharam-me até em casa. Eu queria ter morrido naquela noite.

Quando algumas semanas se passaram, resolvi enfrentar um psicólogo, não custava nada tentar.

O consultório médico ficava em um bairro rico da cidade, pedi para meu primo Armando me levar até lá.

Esse meu primo não era um parente muito próximo, por essa razão escolhi ele para me levar, eu não queria papo com minha mãe, muito menos ser tratada como coitada pelo meu pai. Saímos às dez horas da manhã.

A fachada era branca e ali jazia escrito "Dr. Carlos Maciel". Entrei, sentei-me no assento da parede, em frente à recepção, enquanto meu primo dava entrada no meu cadastro. As cadeiras eram verdes, incorporadas por paredes brancas e o chão da mesma cor. A luminária era simples, dois pares de lâmpadas fluorescentes separados em lados opostos do teto. Era basicamente o que os designers fazem para retratar um pouco de paz no local. Aquilo não me dava nenhuma paz. Aguardei ser chamada.

A sala do Dr.Maciel era pequena, com uma estante à esquerda, na parede com papel de parede verde. O carpete cinza espacial no chão abrigava uma mesa com uma cadeira, dois sofás e um pequeno armário.

Quando fechei a porta, o doutor estava de costas, mexendo em seu armário, um pouco ocupado.

-Sinta-se à vontade. – Disse o homem ainda atarefado.

Sentei-me no sofá encostado na parede, aguardando o psicólogo.

-Então, senhorita, como posso te ajudar hoje? – O doutor Carlos virou-se, fitou-me e ficou de pé olhando para mim.

Eu estaquei, meus olhos se arregalaram, meus pés travaram, minha espinha gelou e arrepiei-me toda. Não pude acreditar no que estava acontecendo. Senti-me aterrorizada com os olhos castanhos dele, seus cabelos pretos sebosos me davam uma pontada aguda de medo. O sorriso daquele homem era de escárnio, obviamente para mim. Não consegui dizer nada, apenas sentir nojo e medo. Eu estava numa consulta com o homem dos meus pesadelos.

O tempo logo depoisOnde histórias criam vida. Descubra agora